O edital para contratação de professores destinados ao curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará (Uepa), datado do último dia 23, está causando grande insatisfação e verdadeira revolta entre a comunidade acadêmica. Dentre os problemas apontados por pessoas com quem o Correio de Carajás conversou estão a grande quantidade de vagas voltadas para apenas um curso e vagas fechadas para médicos especialistas que poderiam ser ocupadas também por profissionais de outras áreas.
O concurso público de provas e títulos para o cargo de professor efetivo da instituição destina-se ao preenchimento de 42 vagas, na categoria de Professor Auxiliar, com lotação para o curso de Medicina do Campus de Marabá. As inscrições foram abertas no último dia 25, custando a exorbitante taxa de R$ 350, valor bem acima do praticado pelas demais universidades públicas do país, outro ponto destacado pelos entrevistados.
Acontece que enquanto a Uepa está abrindo mais de 40 vagas para um curso que possui atualmente apenas cinco turmas, outros com muitos anos de estrada e mais alunos matriculados possuem apenas um professor efetivo. O assunto acabou mobilizando os professores e alunos da instituição que iniciaram um debate sobre o caso e alegam irregularidades no edital em questão. Os docentes preferiram se manifestar sem divulgar os nomes por questões éticas e profissionais.
“Está uma porrada dentro da universidade porque o edital está atendendo a um único curso em detrimento de diversos outros”, comentou um docente lotado em Marabá. Apenas na unidade da cidade, a Uepa oferta mais oito cursos, a maioria sucateada. “Há cursos no Campus de Marabá que contam com apenas um professor efetivo. De repente há mais de 40 vagas para um único curso, sem contar que há outras unidades do interior que sequer possuem professor efetivo. Por que todas essa vagas para um único curso?”, questiona.
Os professores deixam claro que não são contra o concurso para contratação de profissionais para lecionarem no curso de Medicina, mas acham que a conta está excessivamente desequilibrada. “Ninguém questiona que a Medicina precisa de concurso. Precisa, é claro, mas como outros cursos também precisam. A Engenharia Florestal tem quatro professores efetivos, apenas; a Biomedicina tem cinco professores efetivos para tocar uma graduação inteira; A Tecnologia de Alimentos, Química e Física em Marabá são apenas dois professores, assim como Engenharia Ambiental. A Engenharia de Produção tem apenas um efetivo, que está cedido para Belém; e a Ciências Naturais Biologia não tem nenhum efetivo no campus. Por aí se tira a discrepância do número de vagas ofertadas”.
Outro professor, lotado no Campus de Altamira, se diz revoltado por acompanhar diariamente a luta dos demais cursos em conseguirem desenvolver as atividades propostas. “Analisamos que em concursos anteriores sempre foram ofertadas vagas para todos os cursos, para diversos cursos e áreas de atuação. Por mais que não fossem tantas vagas, havia diversidade maior. Era uma forma de tentar beneficiar a Uepa de maneira universal. O último foi em 2013, mas aí abrem 40 e tantas vagas para um único curso? Um único campus?”.
Ele cita o caso de Santarém, onde funciona há mais de 10 anos o maior curso de Medicina da Uepa. De acordo com o professor, no campus do município são apenas 23 professores no quadro efetivo de Medicina. Sobre o campus de Altamira, onde leciona, ele destaca que o curso de Engenharia Ambiental, por exemplo, existe há sete anos e possui um único professor efetivo. Mesma situação vive o curso de Matemática, em mais de 10 anos de funcionamento. “É uma situação que, se a gente for analisar, acontece em todos os campi, todas as unidades passam por isso. Há necessidade de professor. Não sou contra o concurso da Uepa e para Medicina. O que nos deixa com raiva é esse super favorecimento”.
VAGAS DIRECIONADAS
O segundo ponto que os professores questionam é o fato de o edital exigir um médico especialista, ou seja, que detenha uma pós-graduação, para áreas multidisciplinares, como pesquisa científica, tutorial e morfofuncional. Ao todo, são 13 vagas para essas três disciplinas e, destas, apenas três estão abertas para todas as áreas da Saúde. As demais são para médicos e uma exclusivamente para farmacêutico.
O que preconizam todas as entidades de formação, educação e qualificação, assistência em educação e saúde, no entanto, a exemplo das diretrizes nacionais curriculares de medicina, é que essas vagas sejam abertas para todos os profissionais de Ciências Biológicas e Saúde.
Para um professor lotado em Belém, caso não seja respeitado esse entendimento há o risco de se doutrinar erroneamente a comunidade acadêmica no que se refere à interação entre as áreas da Saúde. “O processo de elaboração do edital foi absolutamente arbitrário. Fecharam o concurso para médicos em disciplinas que não são para serem voltadas apenas para médicos. Temos um problema que é a fuga dos princípios”, afirma, acrescentando que o edital deve, no futuro, gerar altos custos para a universidade.
Para ele, caso estas áreas sejam abertas para os demais profissionais as chances de as vagas serem ocupadas por pessoas mais qualificadas aumentam, o que diminuiria o afastamento dos futuros professores para cursarem mestrados, doutorados e pós-doutorados. Ele explica que quando os concursados se afastam – por períodos de até quatro anos para os estudos – continuam recebendo os salários e mais uma bolsa.
“O que tem de doutor espalhado pelo país desempregado não é brincadeira e aqui abriram concurso para especialista. Isso é um desestimulo à qualificação e é complicado qualificar um profissional. Todo ano vários docentes passam para a qualificação e esses profissionais se afastam da universidade para estudar. Vão abrir vaga para especialista e eles vão se licenciar para cursarem mestrado, doutorado…”, diz.
De acordo com ele, nos mestrados e doutoras da própria Uepa, na área de Saúde, dificilmente se vê médicos matriculados. “Quem faz é esse que não está inserido na instituição. É o contratado que em termos de estabilidade profissional e financeira é desfavorecido, mas é muito mais preparado na academia. Faz mestrado, doutorado e pós-doutorado. Existem pós-doutores de áreas diversas da medicina que são temporários da universidade, que já servem à instituição, mas em condições instáveis. Não estão olhando para esse pessoal altamente qualificado para instrução, com pesquisa, com alta produção”.
Por fim, o professor destaca que muitos egressos da própria universidade não terão a oportunidade de concorrer nos moldes em que o edital está disposto, mesmo sendo capacitados para assumirem as disciplinas em questão. “A Uepa tem muitos egressos e sabendo que há preconização por vagas multidisciplinares que devem ser abertas para médicos e não-médicos, por que não absorver essas pessoas? A realidade é a de que a prevalência de profissionais com maior titulação acadêmica está entre os não médicos e a universidade, quando absorve o egresso, ganha pontuação. A instituição está se negando a absorver os egressos”, finalizou.
Os professores de Marabá e Altamira, ao serem procurados pelo Correio de Carajás, também ressaltaram veementemente esse ponto. “É um edital que parece muito direcionado. Talvez até para algumas pouquíssimas pessoas, de várias, que estão lecionando hoje como horistas e substitutos, como contratados. Parece que foi feito para essas pessoas e isso foi muito errado”, afirma um dos servidores. O professor que atua em Altamira definiu a determinação das vagas como vergonhosa. “Temos ouvido muitas críticas em relação a esse edital”, declarou.
VÍNCULO
Um terceiro ponto levantado na discussão é o fato de o edital vincular as vagas para professores especificamente ao curso de Medicina e não ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, departamento em que está inserido. Para os demais professores, estes futuros profissionais poderão se utilizar disso como argumento para se recursarem a lecionar nos demais cursos da área de Saúde, sobrecarregando os demais servidores ligados ao centro.
“Os professores da universidade são ligados aos departamentos que administram os cursos e não aos cursos específicos. No edital, no entanto, aparece a vaga, o nome da disciplina, do componente curricular, o número de vagas, o perfil do candidato e o departamento, mas o documento apresenta que são médicos para atender ao curso de Medicina. Isso quer dizer que o professor pode se negar a dar aula em outro curso”.
Segundo docentes, isso já vem acontecendo na Uepa e professores dos outros cursos estão com carga horária em sala de aula sobrecarregada, o que impede que atuem em projetos de pesquisa e extensão, dois dos pilares da universidade pública. “Essas frentes acabam comprometidas e os professores acabam permanecendo apenas em sala de aula, sem cumprir pesquisa científica e extensão, que também é qualificador da Universidade”.
Outro professor é claro sobre o que pensa neste sentido: “o que manda é o que está no edital. Serão mais de 40 professores dando aula para apenas quatro turmas e uma no internato, vai ter professor ganhando sem fazer nada e nisso há professores que extrapolam carga horária para atender orientação e extensão. Essas vagas não devem ser da medicina ou do centro de saúde, elas são da universidade então a instituição deve poder a qualquer momento destinar para qualquer outro curso ou campus. As vagas são da universidade como um todo”, diz.
PROGRESSÃO
Um professor destaca, ainda, que enquanto se abre concurso para médicos especialistas ingressarem na instituição, diversos servidores já concursados e que possuem mestrado e doutorado não estão recebendo a progressão dos cargos.
“Nas universidades federais, essa progressão é automática. Isso não é permitido na Uepa pelo número de vagas existentes para doutores, preenchidas desde 2014. Estão aguardando a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) liberar o plano de cargos e salários para haver progressão, mas alegam que não há recurso. Não há recurso e de repente abrem mais de 40 vagas? Onerando a universidade com mais de 40 auxiliares em vez de progredirem o povo que está na fila?”, questiona.
O professor lotado em Altamira também observa essa questão. “Hoje, na universidade, temos número absurdo esperando para progredir. Já entraram na Justiça e foi feito acordo no Ministério Público de que a Uepa seria obrigada a fazer concurso apenas após a progressão. Para que a Uepa coloca a classe dos professores mais baixa se isso diminui a avaliação da universidade?”, finalizou.
REUNIÃO
Os membros dos Centros Acadêmicos e Diretório Acadêmico da Universidade do Estado do Pará, no Campus de Marabá, agendaram reunião para a próxima segunda-feira (4), na qual pretendem debater a questão do edital e se vão denunciar a situação ao Ministério Público do Estado do Pará. Consta na pauta, ainda, discussão sobre necessidade de mais professores na unidade.
O Correio de Carajás entrou em contato na manhã de hoje, quarta-feira (30), com a assessoria de comunicação da instituição, mas até o momento não obteve posicionamento. (Luciana Marschall)
Fonte: Correio de Carajás
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