Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, durante visita a parlamentares na véspera de audiências no Senado e na Câmara dos EUA. (Foto: Leah Millis/Reuters)
O Facebook pode até ser a bola da vez, devido ao vazamento dos dados de 87 milhões de seus usuários, mas não é a única empresa que coleta, processa e usa em plataformas conectadas as informações de bilhões de pessoas em todo o mundo.
Ele está acompanhado de outras gigantes de tecnologia como Apple, Google, Microsoft e Twitter, que não sabem só por onde você anda, que lugares frequenta ou com quem fala. Conhecem sua opinião sobre assuntos íntimos, da política à orientação sexual. E ainda trabalham para refinar mais suas lupas tecnológicas, para conseguir, por exemplo, definir a classe social de alguém usando detalhes como qualidade do celular usado.
“Os serviços delas são gratuitos, são quase como se fossem um pote de mel. Em troca deles, damos os dados sobre nós”, afirma Danilo Doneda, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e especialista em privacidade e proteção de dados.
Fabio Malini, professor e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo (LABIC/UFES), concorda com a ideia. Acrescenta, porém, que essas companhias não deixam de seguir seus usuários pelo mundo virtual quando seus aplicativo são fechados ou o celular é colocado no bolso.
“Todo e qualquer movimento das pessoas deixa rastros digitais, desde o que acessa em um site de notícias até que tipo de gosto ela tem por algum produto.”
Os especialistas consultados pelo G1 classificaram as informações usadas por essas empresas em três categorias:
Ao criar uma conta em algumas das plataformas de grandes empresas, seja no Facebook ou no Twitter, qualquer pessoa cede informações corriqueiras sobre si, como nome, endereço de e-mail, endereço residencial, número de telefone. Em alguns casos, cedem também o número do cartão de crédito.
“Quanto a isso há um certo nível de transparência”, diz Doneda. Só que a coleta de dados não para por aí. Compreende ainda as informações tiradas dos aparelhos usados para navegar nesses serviços.
Todas essas empresas conseguem identificar onde uma pessoa está, usando sensores dos aparelhos, como o GPS, ou combinando uma série de recursos, como conexão via Bluetooth, o endereço IP do dispositivo e até conexões a redes de Wi-Fi ou a torres de celular. Sabem ainda o modelo de smartphone, computador ou TV usados, se os sistemas operacionais já foram atualizados e até a qualidade da rede móvel.
O objetivo aqui, dizem as companhias, é permitir que algumas funções operem. “Poderemos utilizar e armazenar informações sobre a sua localização para fornecer funcionalidades dos nossos serviços, tais como permitir a você tuitar com a sua localização”, exemplifica o Twitter.
Aquelas que possuem plataformas mais abrangentes, como sistemas operacionais, exercem essa coleta de forma mais ampla. O Google, dono de Android (celulares e tablets) e ChromebookOS (computadores), sabe para quem você liga, a que horas foi e quanto durou a chamada. O mesmo vale para os envios de SMS. O Facebook também guardas essas informações, desde que chamadas e SMS tenham partido de seus aplicativos.
A Apple, dona do iOS (celulares e tablets), WatchOS (relógio) e MacOS (computadores), não deixa claro se faz isso, mas diz que se houver “consentimento explícito” pode “coletar dados sobre como você usa seu dispositivo e os aplicativos”. As duas, assim como a Microsoft, dona do Windows e do Office, sabem quais compromissos foram agendados pelas pessoas.
Essas empresas também criam uma ideia sobre as pessoas analisando como se comportam em suas ferramentas.
O Facebook coleta “curtidas” e “reações” dadas a publicações, assim como as páginas que os usuários escolhem seguir. O Google reúne, por exemplo, as pesquisas feitas na web, os endereços e trajetos buscados no Maps, informações sobre e-mails enviados e recebidos pelo Gmail, vídeos vistos e pesquisados no YouTube e até informações sobre as fotos guardadas em sua nuvem.
A Apple reúne todas as interações com o iCloud, iTunes Store, App Store, Mac App Store, App Store para Apple TV e iBooks Stores. Todas dispõem de cookies, códigos presentes em navegadores para registrar sites visitados na web.
“A [assistente pessoal] Cortana pode fazer recomendações personalizadas com base em seu histórico de navegação e pesquisa”, exemplifica a Microsoft uma das aplicações da lista de páginas visitadas por seus clientes.
Para dar mais nuance à visão que possuem de seus usuários, essas empresas costumam ainda fazer acordos com outras companhias que mantêm informações das quais não dispõem. Malini lembra que, até o fim de março, por exemplo, o Facebook mantinha uma parceria com a Serasa Experian, que também ocorria na Austrália, EUA e Reino Unido. A Serasa mantém, por exemplo, um banco de dados de pessoas que estão com o nome sujo e outras informações financeiras.
“Alguns interesses, a própria plataforma consegue aferir. Para outros, a empresa vai ter que se associar a grandes bases de dados, como o Serasa”, diz o professor. O objetivo era segmentar as pessoas por faixas de renda, a fim de melhorar o envio de anúncios.
Só que essas empresas não se dão por satisfeitas apenas reunindo detalhes pessoais espalhados pelas pessoas internet afora. Elas também processam e estudam esses dados para produzir descobertas.
“A gente usa essas plataformas de forma tão intensa que elas acabam tendo oportunidade de aprender coisas. Alguns estudos mostram que uma análise de ‘curtidas’ é capaz de revelar a orientação política e até preferência sexual”, diz Doneda.
Algumas das descobertas surpreenderiam os próprios donos dos dados. “Eles conseguem inferir coisas muito íntimas como, por exemplo, que a grande maioria das pessoas gosta de Kitkat é de direita.”
O estudo mencionado é o da Universidade de Cambridge que apontou ser possível chegar à orientação sexual ou política, religião, estabilidade emocional de uma pessoa, ou até se consome drogas ou bebidas alcóolicas em excesso, sem ter que perguntar a ela. Basta apenas um escrutínio de suas “curtidas” no Facebook.
“O significado das ‘curtidas’ pode ser usado para entender a psicologia por trás do que as pessoas fazem”, explicou à CNN o pesquisador David Stillwell, um dos autores do documento.
Os especialistas criaram um sistema que esquadrinhou perfis e “curtidas” de 58.466 pessoas. As previsões foram confrontadas com entrevistas e testes de personalidade.
Os acertos foram altos. Usar o modelo para identificar se alguém é cristão ou muçulmano apresentou 82% de assertividade. Adivinhar se um sujeito é democrata ou republicano chegou à resposta certa em 85% dos casos. Já a orientação sexual de um homem foi descoberta em 88% das vezes.
O modelo levava em conta muitos parâmetros, mas Stillwell deu exemplos sobre como a análise combinada de “curtidas” a páginas aparentemente desconexas os levou a ajudou em algumas conclusões.
Curtir o musical “Wicked” e a atriz Kathy Griffin seriam um forte indicativo de que o homem é gay. Também foi possível descortinar ainda a personalidade dos entrevistados. Pessoas espontâneas curtiam “Wes Anderson” e tópicos como “assassinato em série”, enquanto as competitivas gostavam de “Sun Tzu” e “Eu odeio todo mundo”.
“Minha maior preocupação é que as pessoas não percebem o que é possível, elas imaginam que comportamentos frívolos como curtir algo qualquer não tem poder de dizer o que quer que seja sobre elas”, diz.
O pesquisador adverte, no entanto, que julgar alguém por uma preferência isolada é um erro, já que sua equipe levou em conta a totalidade das curtidas das pessoas antes de tirar conclusões.
Enquanto uma pessoa normal teria dificuldade para concatenar tantas informações esparsas, as empresas não só já possuem seus dossiês sobre seus usuários como criam novas formas de tirar mais dos dados que já possuem.
O Facebook, por exemplo, pediu o registro da patente de um algoritmo que posiciona alguém em determinada classe social com base em informações como modelo do celular, uso de internet e histórico de viagens.
Apple, Facebook, Google, Microsoft e Twitter usam não só os dados que os usuários fornecem, mas todos os hábitos de consumo dos usuários para enviar conteúdo. Algumas delas tentam ir além e fazer essas sugestões com base no estado emocional das pessoas. Para os especialistas ouvidos pelo G1, isso pode limitar a liberdade de escolha.
“A manipulação dos dados pessoais equivale à manipulação da própria pessoa, porque esses dados não são algo que podem ser separados dela, são uma projeção”, diz Doneda.
“Uma manipulação dos dados pessoais pode restringir a nossa liberdade a tal ponto de muitas das nossas opções e nossos direitos acabem sendo prejudicados.”
Fonte: G1
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