O Ministério Público Federal de Marabá (MPF-PA) apresentou denúncia nesta segunda-feira (18) contra Sebastião Curió Rodrigues de Moura – conhecido como major Curió – pelo homicídio qualificado e ocultação dos cadáveres de dois militantes do Partido Comunista do Brasil PC do B em 1974, durante a ditadura militar.
Segundo informações obtidas com exclusividade pelo blog, esta é a 3ª denúncia contra o major Curió, a 39ª denúncia de um agente da ditadura por crimes durante o período, e a 5ª denúncia ligada à Guerrilha do Araguaia, mais importante movimento de resistência rural ao regime militar do país.
A denúncia foi apresentada à Justiça Federal em Marabá e aponta Curió como responsável pela morte de Cilon da Cunha Brum, conhecido como Simão, e de Antônio Teodoro de Castro, conhecido como Raul. Os dois eram militantes do PC do B e foram presos, torturados e executados.
O MPF afirma que o assassinato foi cometido por motivo torpe, com o emprego de tortura e sem chance de defesa das vítimas que, segundo a denúncia, “se encontravam debilitadas, rendidas e sob forte vigilância armada”. Além disso, os procuradores afirmam que Sebastião Curió ocultou os cadáveres das vítimas, que permanecem desaparecidos até hoje.
“O denunciado [Curió] e demais militares sob o seu comando efetuaram os disparos de forma voluntária e deliberada, embora as vítimas já estivessem rendidas, dominadas, sem apresentar qualquer resistência/risco e sem meios de defesa, ocasionando a morte imediata de Antônio e Cilon”, afirma a denúncia.
Crimes permanentes
O MPF defende desde 2012, quando foi ajuizada a primeira ação penal contra Sebastião Curió, a tese jurídica de que delitos como sequestro, homicídio e ocultação de cadáver não são alcançados pela prescrição ou anistia, porque representam atos de lesa-humanidade e se enquadram como crimes permanentes.
A discussão jurídica sobre a responsabilização por atos criminosos cometidos no regime ditatorial, levantada pelo MPF, encontra base no direito internacional e em decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No Brasil, contudo, ela tem esbarrado principalmente na Lei de Anistia, aprovada em 1979, enquanto os militares ainda estavam no poder e sob o interesse do regime.
Para o MPF, os crimes de Curió “foram comprovadamente cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira, promovido com o objetivo de assegurar a manutenção do poder usurpado em 1964, por meio da violência”, o que, para o direito penal internacional, já constituía crime de lesa-humanidade na época dos fatos, “motivo pelo qual não estão protegidos por regras domésticas de anistia e prescrição”.
Exercício ilegal da função
O texto da nova denúncia contra Curió afirma que o militar exerceu de forma ilegal suas funções de agente do Estado. “Sebastião Curió, no início do ano de 1974, no município de Brejo Grande do Araguaia, no Pará, no exercício ilegal das funções que desempenhava no Exército brasileiro, em contexto de ataque generalizado e sistemático – e com pleno conhecimento das circunstâncias deste ataque – contra opositores do regime ditatorial e população civil, matou […] Cilon da Cunha Brum e Antônio Teodoro de Castro”, afirma.
Oito procuradores da força-tarefa Araguaia, criada pelo MPF para apurar crimes cometidos durante a ditadura, enfatizam que major Curió, em depoimento prestado à Justiça Federal em 2015, confirmou a execução de Antônio Teodoro e de Cilon da Cunha.
“O próprio denunciado Sebastião Curió, em depoimento prestado à Justiça Federal – Seção do Distrito Federal em 14.10.2015 –, quando questionado especificamente sobre a morte das vítimas Antônio e Cilon, confirmou a execução das vítimas”, argumenta o MPF.
Apesar de citar que as vítimas foram torturadas, Curió não foi denunciado pelo crime de tortura, que só foi incluído no Código Penal Brasileiro em 1997, anos após os fatos investigados na denúncia.
Entre os pedidos feitos na denúncia, o MPF requer que o major Curió seja submetido ao tribunal do júri e que o militar seja punido com a perda do cargo público.
Além disso, os procuradores pedem que sejam usados como agravantes na dosagem da pena os fatores: motivo torpe, mediante recurso que tornou impossível a defesa dos ofendidos, emprego de tortura, abuso de autoridade, abuso de poder e violação de dever inerente a cargo/ofício, e contra ofendidos que estavam sob a imediata proteção da autoridade.
A pena máxima prevista pelos homicídios é de 30 anos. Já em relação ao crime de ocultação dos cadáveres, Curió pode ser punido com no máximo 3 anos para cada vítima.
Vítimas eram estudantes
Cilon da Cunha Brum era estudante de Ciências Econômicas da PUC de São Paulo e, segundo o MPF, foi para a região do Araguaia e integrou o movimento guerrilheiro do PC do B. Cilon teria assumido o codinome de “Simão” dentro do Destacamento B do movimento rural contra a ditadura.
Antônio Teodoro de Castro era estudante de Farmácia e Bioquímica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e aderiu ao movimento organizado pelo PC do B, onde assumiu o codinome de “Raul”, também no Destacamento B da Guerrilha do Araguaia.
A Guerrilha do Araguaia tinha por objetivo formar, com infiltração gradual de militantes armados e integrados à comunidade local, uma área militarizada na região que hoje abrange o norte do Tocantins e o sudeste do Pará.
Na ação apresentada nesta segunda (18) contra Curió, o MPF afirma que a repressão do Exército a esses militantes resultou em centenas de camponeses torturados e dezenas de guerrilheiros mortos, cujos corpos jamais foram encontrados.
Outras denúncias contra Curió
A denúncia apresentada é a terceira contra o major Curió, apontado pelo MPF como o militar do Exército responsável por comandar a repressão à Guerrilha do Araguaia, no Pará, o que ele nunca negou.
Na primeira denúncia, o MPF acusa Curió pelo desaparecimento/sequestro de outros militantes do PC do B. Apesar do recebimento da denúncia pela Justiça em 2012, o caso foi trancado após um habeas corpus apresentado pela defesa do major ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O Ministério Público recorreu da decisão no Superior Tribunal de Justiça e aguarda julgamento.
A segunda denúncia apresentada pelo MPF trata do homicídio e ocultação de cadáveres de três militantes esquerdistas também no Araguaia. O caso foi apresentado em 2015, mas o juiz de 1ª instância entendeu que deveria aplicar a Lei de Anistia ao processo e recusou o recebimento da ação. O MPF apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e aguarda decisão. (Fonte:G1)
Fonte: Correio de Carajás
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