Após o presidente Jair Bolsonaro flexibilizar as regras sobre armas no Brasil, réus por porte e posse ilegal de armas têm tentado obter a absolvição pelos crimes ou, ao menos, responder por penas mais brandas. Em Minas Gerais, três pessoas presas por porte ilegal de armas conseguiram, e estão sujeitas a uma pena menor do que estariam antes dos decretos do presidente.
O G1 encontrou 9 pedidos nos Tribunais de Justiça de São Paulo e Minas Gerais – 1º e 3º maiores do país, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Eles se baseiam em três das mudanças feitas pelo decreto 9.785/2019, que foi assinado pelo presidente e pelos ministros da Justiça, Sérgio Moro, da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni:
Como, no Direito Penal, a norma retroage para beneficiar o réu, pessoas que foram flagradas antes do decreto com armas ou munições que não poderiam ter em mãos passaram a recorrer aos magistrados.
Dos 9 casos em que houve pedido de redução ou extinção da pena com base no decreto de Bolsonaro, 2 aguardam julgamento, 2 estão com prazo para o Ministério Público se manifestar e 5 tinham decisão até a manhã desta quinta-feira (30): em 4 desses, os pedidos da defesa foram negados e, em 1, foi aceito.
O G1 procurou o Palácio do Planalto e a Casa Civil para saber se tinham interesse em se manifestar sobre esses impactos dos decretos de Bolsonaro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Em Betim (MG), o juiz Leonardo Bolina, auxiliar da 1ª Vara Criminal, aceitou o argumento da defesa de dois homens e uma mulher que foram presos, em dezembro de 2018, com cocaína, uma pistola calibre .380 e munições de calibre 9mm e 380.
Essas armas eram consideradas de uso restrito do Exército e das polícias até o decreto 9.785/2019. Publicado em 8 de maio, o texto ampliou o limite de potência das armas consideradas de uso permitido a cidadãos comuns para até 1.620 joules. Com isso, os calibres .380 e 9 mm passaram a ser considerados de uso permitido.
No dia 21 de maio, o governo Bolsonaro publicou um novo decreto, o 9.797/2019, mantendo a ampliação, mas estabelecendo que caberá ao Exército definir, em 60 dias a partir daquela data, quais são os calibres que serão liberados à população.
No mesmo dia, o juiz Bolina aceitou o pedido da defesa dos dois homens e duas mulheres, e mudou o tipo de crime pelo qual eles vão responder: de porte ilegal de uso restrito, que tem pena de 3 a 6 anos de prisão, para porte ilegal de uso permitido, com pena de 2 a 4 anos.
Os decretos de Bolsonaro também facilitaram a posse de arma, que é a possibilidade de transportá-la na rua. Os integrantes de um conjunto de categorias não mais precisam comprovar à Polícia Federal a “efetiva necessidade” para ter uma arma.
Entre as categorias contempladas pelo decreto estão os advogados. Por isso, o advogado João Aquiles Assaf, de Itapetininga (SP), decidiu pedir à Justiça que paralise o processo ao qual responde por porte ilegal de arma – ele foi preso em março com um revólver sem ter autorização para tanto.
O pedido está 2ª Instância do Tribunal de Justiça de São Paulo, e ainda não foi julgado.
Os outros 4 pedidos já analisados entre os 9 levantados pela reportagem foram negados. Em um deles, a juíza Renata Carolina Nicodemos Andrade, da 2ª Vara Criminal de Guaíra (SP), negou o pedido de absolvição sumária de um colecionador de arma preso por portar arma carregada – algo que passou a ser permitido com os decretos de Bolsonaro.
Em outro caso, o juiz Roberto Soares Leite, da 1ª Vara Criminal de Araçatuba (SP), negou a revogação da prisão preventiva de homem preso pelo porte de armas e munições de calibre 9mm, de uso restrito até então.
Leite, entretanto, ainda não se manifestou sobre o pedido para que o réu passe a responder por porte de arma de uso permitido (mais brando).
Em Belo Horizonte, o juiz Ronaldo Vasques, da 1ª Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, negou o pedido semelhante de um réu pego com uma pistola 9mm, pois a arma era automática. No entanto, na teoria, o calibre passou a ser liberado pelo decreto, pois, segundo a legislação atualmente em vigor, possui energia cinética de até 1.620 joules – a carga que passou a ser permitida pelo decreto de Bolsonaro.
Em outro caso, no qual o réu portava uma pistola .40, o mesmo magistrado entendeu que não deveria aceitar o pedido da defesa pois o decreto Bolsonaro está sendo questionados na Justiça (leia mais abaixo). Além disso, escreveu Vasques, o Exército ainda não estabeleceu a lista de calibres permitidos e restritos, o que ainda será feito pelos militares.
As mudanças nas regras sobre armas causaram preocupação ao Ministério Público de São Paulo. Em um comunicado aos promotores criminais, o Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, destacou que “a espécie das armas de uso de fogo permitido foi bastante ampliada”, e que havia dúvidas sobre a definição de munição de restrito.
Uma teleconferência para discutir esses e outros pontos, como o impacto das novas regras nos processos que já estão em andamento, foi realizada em 13 de maio.
O MP diz que, por enquanto, não foram definidas recomendações aos promotores, e que “ainda está analisando o decreto para definir sua atuação, que engloba processos novos e os que já estão em andamento.”
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pelo presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, informou em nota que “não emitiu nenhuma recomendação a respeito e também não tem o número de processos que podem ser afetados, já que tem função administrativa e não atua no mérito das ações que tramitam na Justiça”. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) disse não possuir manifestação sobre o assunto.
Os dois decretos de Bolsonaro são alvos de ações movidas por partidos políticos no Supremo Tribunal Federal (STF). A corte, entretanto, ainda não se manifestou.
Segundo o criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), o fato de os processos estarem sendo questionados no Supremo não impede que os réus usem o teor deles em benefício próprio.
“Um dos princípios elementares do Direito Penal é a retroatividade da norma que mais beneficia os acusados. Enquanto o STF não se manifestar sobre a inconstitucionalidade, não a declarar, ela está surtindo efeitos e é válida”, disse Gontijo.
Fonte: Correio de Carajás
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