De acordo com a farmacêutica toxicologista Paula Carpes, as vias respiratórias transportam substâncias químicas de maneira muito rápida para a corrente sanguínea. A inalação de solventes como éter, clorofórmio ou metanol poderia provocar entorpecimento e desmaio em poucos segundos, dependendo da concentração do produto.
“O solvente se espalha muito rápido, ainda mais em ambiente pequeno como o carro. Borrifar direto na vítima, como se fosse um aromatizador, ou mesmo no sistema de ar condicionado, poderia ter esse efeito. Éter e clorofórmio são muito potentes, são depressores do sistema nervoso central. [A pessoa] vai ficar lenta, com a visão turva e pode gerar o desmaio”, afirma.
A toxicologista aponta ainda que, antes do advento da anestesia, o clorofórmio era utilizado na medicina para entorpecer pacientes durante cirurgias e até mesmo amputações. “Esses produtos são de uso controlado em laboratório, mas também são vendidos clandestinamente na internet. Isso facilitou muito todo tipo de crime.”
“Até então, o clássico golpe desse tipo de deixar a vítima entorpecida era o ‘boa noite, Cinderela’, que era colocado dissolvido em bebida. Essa droga também pode fazer o efeito se for borrifada, mas não tem a característica do cheiro forte como os solventes”, diz.
Ainda segundo a especialista, uma máscara do tipo PFF2 ou N95 bem ajustada ao rosto seria capaz de proteger da exposição aos solventes.
Esses equipamentos de proteção individual já eram utilizados por trabalhadores que lidam substâncias químicas voláteis, mas o uso foi popularizado com a pandemia de Covid-19 porque também protegem da contaminação pelo coronavírus.
“Estando sem máscara, dificilmente o motorista também não sofreria o efeito de entorpecimento em ambiente fechado. Mas, estando principalmente com uma n95 ou PFF2, já seria suficiente. Elas são usadas na indústria para trabalhadores com solvente”, afirma.
Relato de passageira
A fotógrafa Bruna Custódio, de 32 anos, relatou nas redes sociais nesta quarta-feira (11) que foi dopada por um motorista de transporte por aplicativo com um produto químico lançado no ar dentro do carro, durante corrida na noite desta terça-feira (10). Em nota, a 99 afirmou que bloqueou o motorista e mobilizou uma equipe para dar suporte à passageira (leia mais abaixo).
Ao, Bruna afirmou que saía do trabalho por volta das 20h30 na Vila Mariana, na Zona Sul, quando pediu o carro da 99 para encontrar amigas em Pinheiros, na Zona Oeste.
“Ele andou mais ou menos 2 km, quando chegou perto da Rua Domingo de Morais. Quando parou no farol, ele olhou para trás e fechou o vidro dele. Eu comecei a sentir o cheiro forte, cada vez mais forte. Mas tudo aconteceu muito rápido. Aí eu comecei a ficar tonta”, diz Bruna.
Segundo a fotógrafa, o motorista não fechou o vidro dela. Ela chegou a colocar a cabeça para fora da janela, mas foi ficando cada vez mais zonza.
“Coloquei a cabeça pra fora pra sentir o ar e pra ver se não estava vindo de fora o cheiro, porque tinha um caminhão [perto]. Mas eu voltei a cabeça pra dentro e o cheiro vinha claramente de dentro. Aí o farol abriu, ele andou, e eu comecei a ficar mais zonza e com a visão turva. Parecia que o carro estava cheio de pó branco, mas era minha visão.”