Natural do município de Muaná, no arquipélago do Marajó, a vítima veio para Belém em 1996, aos 22 anos, para trabalhar como babá. Não tinha salário fixo, em troca recebia da família moradia, alimentação, roupas, remédios e algumas quantias, quando ela pedia. Prática não obedecidas pela Lei.
Durante a fiscalização, a equipe constatou que a vítima ficava em um quarto usado como depósito pela família. As paredes tinham infiltrações, mofo, poeira e diversos itens espalhados pelo chão, sem qualquer tipo de armário para que ela pudesse guardar seus pertences.
Além de fazer atividades domésticas, há cerca de um ano e meio a vítima passou a atuar como ajudante de cozinha, no restaurante de um dos filhos da proprietária. Apesar de receber R$1.400, ela não tinha registro na Carteira de Trabalho ou garantia de qualquer outro benefício legal.
Um banheiro que fica ao lado do quarto onde a vítima dormia estava cheio de entulhos. Após a fiscalização, ficou configurado trabalho análogo ao de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, por conta da situação degradante na qual a trabalhadora estava vivendo.
Para a procuradora do Trabalho Silvia da Silva, titular da Coordenadoria Regional de Combate ao Trabalho Escravo, o trabalho escravo doméstico tem uma peculiaridade que é o fato de ocorrer no âmbito residencial, o que dificulta a chegada da denúncia aos órgãos de fiscalização.
“É importante a sociedade tomar conhecimento dos casos e das consequências da caracterização dessa prática, pois além da repercussão trabalhista, os empregadores poderão responder pelo crime do art. 149 do Código penal”, explicou.
Segundo a procuradora, nesses casos há um discurso falacioso de que a empregada era considerada da “família” e por isso não recebia salário.
“A realidade é que são trabalhadoras exploradas, geralmente, analfabetas ou com grau de escolaridade muito baixo e que têm história de vida muito sofrida, e se tornaram vítimas pela extrema vulnerabilidade”, afirma Silvia Silva.
Extrajudicialmente, a dona da residência assumiu o compromisso de pagar o valor de R$167 mil, assim como o cumprimento de obrigações para sanar as irregularidades apuradas durante a fiscalização.
Além do pagamento da indenização por dano moral individual e verbas salariais rescisórias, se descumprido o acordo será cobrado dano moral coletivo de R$ 300 mil reais.
O filho da empregadora, dono do restaurante, também assinou um termo de ajustamento de conduta para legalização do vínculo trabalhista e realização dos recolhimentos fundiários e previdenciários.
A ação teve início no dia 4 de julho e segue em andamento, de forma conjunta, com Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF); Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência (SIT); Ministério Público do Trabalho (MPT); Polícia Federal (PF); Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
As denúncias de trabalho análogo ao escravo podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê, pelo Disque 100 ou pelo site do MPT PA-AP.