O número de novos casos de infecções por HIV mundialmente diminuiu apenas 3,6% entre 2020 e 2021, o menor declínio anual de novas infecções desde 2016.
Entre as regiões que viram aumentos nas infecções anuais pelo vírus estão América Latina, Europa Oriental e Ásia Central, Oriente Médio e Norte da África.
Os dados são do relatório “Em Perigo”, lançado nesta quarta-feira (27/07) pela Unaids, órgão da ONU para o tema, que expõe falhas na resposta global ao HIV.
Com a pandemia da covid-19 e outras crises globais, nos últimos dois anos, o progresso contra o HIV enfraqueceu, os recursos destinados a contracepção, tratamento e conscientização diminuíram e, como resultado, milhões de vidas ficaram em risco.
“Esses dados mostram que a resposta global à Aids está em perigo. Se não estamos progredindo rapidamente, isto significa que estamos perdendo terreno, pois a pandemia de Aids acaba avançando em meio à covid-19, ao deslocamento de populações em massa e outras crises. Não podemos perder de vista os milhões de mortes evitáveis que estamos trabalhando para impedir que aconteçam”, diz Winnie Byanyima, diretora-executiva do Unaids.
Pelo enfraquecimento no combate ao HIV, em 2021 houve aproximadamente 1,5 milhão de novas infecções em todo o mundo. Isto é mais de um milhão de infecções além das metas globais estabelecidas para o mesmo período.
Em média, a Aids tirou uma vida a cada minuto, resultando em 650 mil mortes pelo quadro, apesar do tratamento eficaz do HIV e das ferramentas para prevenir, detectar e tratar infecções oportunistas.
Embora o relatório não mostre dados específicos da progressão de infecções no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, entre 2019 e 2020 (ano do último levantamento), houve uma queda de 20,7% (de 37.731 contra 29.917) nos casos de Aids notificados.
“O Brasil sempre foi considerado um exemplo na resposta ao HIV. O Programa de HIV e Aids [vinculado ao SUS] é uma política de Estado e seguiu atuante nos últimos dois anos em que a crise de saúde pública causada pela pandemia de covid-19 centralizou a atenção e muitos recursos. O país manteve sua capacidade de atenção à prevenção, diagnóstico e tratamento”, afirma Claudia Velasquez, diretora e representante do Unaids no Brasil, à BBC News Brasil.
Durante a pandemia, o Brasil foi um dos países pioneiros a estender a distribuição de antirretrovirais para até seis meses para evitar riscos no recolhimento dos medicamentos e a consequente ruptura no tratamento, além de ter feito doação de medicamentos antirretrovirais para outros países em necessidade.
Mas o território nacional é extenso, e as realidades são diferentes a depender de cada estado e município. O fato de que exista uma oferta pública de serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV e Aids não significa que as pessoas efetivamente conseguirão acessar estes serviços.
Um exemplo disso é que 27% das pessoas vivendo com HIV no Brasil ainda não recebem o tratamento antirretroviral que pode salvar suas vidas.
“No Brasil, diferente do contexto global, a epidemia de Aids é mais concentrada em determinados grupos sociais, as populações-chave, especialmente homens que fazem sexo com outros homens e travestis e mulheres transsexuais. Além de sofrerem todo tipo de violência física e psicológica por conta da transfobia, no Brasil mulheres trans têm um risco 40 vezes maior de se infectar pelo HIV do que a média da população”, diz Claudia Velasquez.
Diminuir a desigualdade dentro dos países, melhorando o acesso das populações mais marginalizadas e periféricas aos serviços, de acordo com o relatório do Unaids, é uma das principais formas de impedir a disseminação do vírus.
“As múltiplas desigualdades, potencializadas pela discriminação e pelo estigma, são efetivamente uma barreira de acesso aos serviços de HIV e Aids por parte das populações em situação de maior vulnerabilidade, que encontram dificuldades ou se veem impedidas de ter acesso aos serviços de HIV que podem lhes garantir uma vida saudável e produtiva.”
“A crise econômica impacta mais fortemente as pessoas vivendo em situação de pobreza extrema ou miséria. Muitas vezes elas se veem forçadas a tomar decisões difíceis, entre se alimentar ou cuidar da saúde, por exemplo. O resultado é que veem diminuída drasticamente sua capacidade de buscar o diagnóstico ou dar continuidade ao tratamento do HIV. As populações-chave para o HIV têm, ainda, de lidar com o estigma e discriminação, os quais amplificam sua situação de vulnerabilidade.”
Por essas razões, Velasquez aponta que os programas de atenção ao HIV e à Aids precisam ser baseados em uma perspectiva multisetorial, abrangendo não apenas os aspectos biomédicos, mas envolvendo também outros serviços de proteção social e de desenvolvimento e sustentação econômica das populações mais vulneráveis.
O relatório também mostra que os esforços para garantir que todas as pessoas vivendo com HIV tenham acesso ao tratamento antirretroviral que salva vidas estão falhando. O número de pessoas em tratamento de HIV cresceu mais lentamente em 2021 do que nos 10 anos anteriores.
Enquanto três quartos de todas as pessoas que vivem com HIV têm acesso ao tratamento antirretroviral, ainda há aproximadamente 10 milhões de pessoas sem acesso aos medicamentos. Apenas metade (52%) das crianças que vivem com HIV em todo o mundo têm acesso a medicamentos que salvam vidas. A lacuna na cobertura do tratamento do HIV entre crianças e adultos está aumentando em vez de diminuir.
O intuito do levantamento, de acordo com o Unaids, é chamar a atenção dos governos para a urgência de dar uma resposta corajosa às desigualdades, ao estigma e à discriminação.
O relatório expõe as consequências devastadoras que podem resultar da falta de ação imediata para combater as desigualdades que impulsionam a pandemia.
Se a trajetória atual persistir, o número de novas infecções de HIV pode chegar a 1,2 milhão em 2025, ano no qual os estados membros da ONU estabeleceram uma meta de menos de 370 mil novas infecções por HIV.
Isto significaria não apenas perder a meta, mas ultrapassá-la em mais de três vezes.
De acordo com a Unaids, o momento pede solidariedade internacional e um novo fluxo de financiamento, mas muitos países de alta renda estão cortando a ajuda.
O documento também aponta que o financiamento doméstico para a resposta ao HIV em países de baixa e média renda caiu por dois anos consecutivos. Os choques globais, incluindo a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, exacerbaram ainda mais os riscos para a resposta ao HIV.
O pagamento da dívida dos países mais pobres do mundo atingiu 171% de todos os gastos com saúde, educação e proteção social combinados, sufocando suas capacidades de responder à Aids.
A guerra na Ucrânia aumentou drasticamente os preços globais dos alimentos, amplificando os efeitos negativos da falta de segurança alimentar das pessoas que vivem com HIV em todo o mundo, tornando-as muito mais propensas a sofrer interrupções no tratamento do HIV.
Com isso, os recursos para a saúde global estão sob séria ameaça. Em 2021, os recursos internacionais disponíveis para o HIV foram 6% menores do que em 2010. A assistência ao desenvolvimento no exterior para o HIV proveniente de doadores bilaterais, que não os Estados Unidos, despencou 57% na última década.
Os passos para acabar com a Aids até 2030, de acordo com a organização, incluem: serviços liderados e centrados nas comunidades; a defesa dos direitos humanos e a eliminação de leis punitivas e discriminatórias e o combate ao estigma e à discriminação; o empoderamento de meninas e mulheres; igualdade de acesso aos serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento, incluindo às novas tecnologias de saúde; e serviços de saúde, educação e proteção social para todas as pessoas, especialmente as afetadas ou vivendo com HIV e Aids em situação de maior vulnerabilidade.
Fonte: g1.globo.com
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