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Sem bandeiras ou adesivos, cidade mais bolsonarista em 2018 passa longe da polarização nacional

Nova Pádua, município da serra gaúcha, depositou 92,96% dos votos em Jair Bolsonaro na eleição passada. Apesar de críticas ao presidente, moradores esperam repetir percentual alto no pleito de outubro.

A um visitante desavisado, em um dia de inverno, a frase inscrita no pórtico representa bem a Nova Pádua: pequeno paraíso italiano. Nos últimos quatro anos, porém, o município de 2,5 mil habitantes da serra gaúcha ficou mais conhecido por outro epíteto, o de cidade mais bolsonarista do Brasil, pois 92,96% de seus eleitores votaram em Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018.

g1 foi às cidades que mais votaram proporcionalmente em Lula(Central do Maranhão, MA), Bolsonaro (Nova Pádua, RS) e Ciro (Pires Ferreira, CE) nas últimas eleições em que eles disputaram. Os três lideram a disputa neste ano, segundo o Ipec e o Datafolha.

A expectativa é que a população de Nova Pádua repita em 2022 o alto índice de votação no candidato, agora pelo PL, mesmo que, de forma mais envergonhada, os moradores reconheçam decepções com a condução dele na pandemia, com as alianças com o Centrão e o furo do teto de gastos em função dos benefícios sociais concedidos às vésperas da eleição.

“Aqui existem pessoas que votam eventualmente no Lula ou já votaram. Não há problema nenhum, na sociedade em que a gente está inserido, de rever os conceitos, alterar voto. Agora, acredito que, se for esta polarização entre Bolsonaro e Lula, Bolsonaro terá o mesmo percentual de votos aqui na cidade”, projeta o prefeito Danrlei Pilatti (PP).

Nos 160 km entre Porto Alegre e o município serrano, pelo menos quatro outdoors estampando a foto do presidente estão instalados à beira da estrada, inclusive na vizinha Flores da Cunha. Dentro de Nova Pádua, entretanto, o apoio é maciço, mas sem alarde.

Na paisagem, não se vê nenhuma toalha, bandeira, adesivo ou camiseta que altere visualmente a estética colonial da cidade. Os únicos banners são das candidatas a soberana da Festa dos Produtos Coloniais (Feprocol), prevista para fevereiro de 2023.

Mas, mesmo que Bolsonaro não se reeleja, os moradores não acreditam que isto vá mudar a ideologia nem tampouco interferirá nas características do povo paduense.

“Eu espero que [Bolsonaro] continue. Senão, a gente vai continuar trabalhando. Foi o município mais ‘aecista’ [Aécio Neves recebeu 88,1% de votos em 2016] e, hoje, não votaria nele”, diz Celso Sonda, dono da vinícola que abriga o principal ponto turístico da cidade, o Belvedere Sonda.

“Se aparecer alguém melhor do que Bolsonaro, com caráter melhor, eu vou votar”, completa Gema Sonda, a outra proprietária.

O ‘bolsonarismo’ paduense

A eleição de Bolsonaro, por si só, não significou diretamente um impulso na economia local. Em 2019, no seu primeiro ano de governo, o produto interno bruto (PIB) de Nova Pádua teve um crescimento de 0,1% em relação ao ano anterior, segundo os dados do Departamento de Economia e Estatística do governo do Rio Grande do Sul.

O desempenho foi bem inferior ao dos primeiros anos dos três governos anteriores: em 2003, no primeiro ano do governo Lula, teve 18,4% de aumento; em 2011, com Dilma Rousseff, o acréscimo foi de 5%; e em 2017, no primeiro ano completo de Michel Temer na Presidência, a alta foi de 6,1%.

O alinhamento ideológico entre os governos federal e municipal não significa necessariamente um benefício para a cidade. No entendimento do prefeito Danrlei, a identificação do paduense com o projeto de Bolsonaro se deve mais à expectativa de “uma administração exemplar, sem escândalos de corrupção”, “que tivesse responsabilidade fiscal com o país” e “que entregasse o mandato em uma realidade muito melhor do que a que assumiu”.

“Com o passar destes anos e tendo em conta esses ônus carregados pela pandemia, a gente percebe que o trabalho como um todo no que diz respeito à economia, infraestrutura, entre outros, cumpriu bem. Os recursos obrigatórios, e muitas vezes extras, se cumpriram a contento”, avalia.

A oposição fica à esquerda do rio

Bolsonaro não prestigiou o município com uma visita durante seu mandato. O mais próximo disso foi a passagem do ex-ministro do Turismo Gilson Machado, que foi conhecer o projeto de ampliação do mirante da cidade. A ideia é construir uma estrutura semelhante ao Skyglass, parque temático de Canela, com vista para o Rio das Antas.

De lá, é possível ver outra cidade que também homenageia as origens dos primeiros imigrantes: Nova Roma do Sul. E é lá que está o político de esquerda mais próximo de Nova Pádua. Roberto Panazzolo (PT) é vice-prefeito de Douglas Pasuch (PP). São 15 anos em que os partidos formam uma coligação, embora sejam adversários nas eleições nacionais. Ele acredita que parte da população o tenha elegido por questão ideológica, sim, mas que parcela dos eleitores nem sequer reparam nisto.

“É um pouco complicado [ser de esquerda]. Mas a ideia é que tenhamos liberdade. Não trazemos muito para o município a disputa nacional, essa polarização que se criou, e conseguimos evoluir bastante. Somos um município pequeno e procuramos direcionar os esforços para ele”, afirma.

Em Nova Roma do Sul, Bolsonaro teve 79,87% no segundo turno, contra 20,13% de Fernando Haddad.

Em Nova Pádua, a esquerda é incipiente. Em 2016, a cidade não teve nenhum candidato a vereador ou prefeito esquerdista; em 2020, o PDT lançou três candidatos a vereador, sem que nenhum tenha sido eleito.

A Câmara Municipal é composta por nove vereadores: cinco do Progressistas — duas delas mulheres —, o mesmo partido do mandatário do Executivo local; dois do MDB; um do PSDB; e uma do Republicanos. Um dos emedebistas, Leandro Martello, se candidatou a uma cadeira na Câmara em 2008 pelo PT. Não se elegeu. Doze anos depois, em novo partido, garantiu uma vaga na casa.

Exceção

Reni Menegat, um diretor de trânsito de 60 anos, foi um dos 134 votos (7,04%) em Fernando Haddad nas eleições de 2018. Desta vez, ele promete amealhar mais quatro da família, além de alguns vizinhos, para Lula.

“Ele ajudou muitas pessoas pobres. A gente podia fazer empréstimo com juros baratos. Agora não dá mais, juros muito altos. Mas ele vai voltar”, acredita.

O lulista é Lula até o nome. Na verdade, em apelido. Ganhou a alcunha nos anos 1980 devido ao ponta-esquerda do Internacional e da Seleção Brasileira na década anterior. Como fervoroso colorado, adotou Lula com orgulho, e com a admiração crescente ao homônimo mais famoso, “ficou melhor ainda”, diz.

Mesmo uma ilha em oceano bolsonarista, o Lula de Nova Pádua não cai em provocações. “Já estou acostumado. Nem dou bola. Eles vão ter que me engolir”, diz.

Teorias da conspiração

A cidade não está imune às notícias falsas. Não demora muito para que alguém comente em voz alta sobre alguma teoria da conspiração que jura ser verdade porque a recebeu no celular: a criação de uma nação única entre os países da América Latina supostamente pretendida pelos partidos de esquerda, o medo premente do comunismo com a ascensão de um governo esquerdista ou até um vídeo descontextualizado em que Lula supostamente defenderia criminosos que “podem roubar para tomar uma cerveja”.

“Vai virar uma China, uma Cuba”, diz um agricultor.

“Bandido bom é bandido morto”, repete um empreiteiro.

Mesmo sem entrar nos delírios coletivos, o prefeito cita a relação entre Lula e o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e frases elogiosas do petista a governantes autocratas como exemplos de postura de governantes que espera não ver no próximo presidente do Brasil.

“As pessoas não têm memória curta. A gente não pode acreditar que um condenado ‘descondenado’ possa assumir tamanha importância no nosso país depois de tudo que já foi comprovado [por] delações premiadas, [por] pessoas que já devolveram milhões de reais de corrupção. E ele, sendo um dos agentes de investigar e dar um fim a esses esquemas não o fez, querer voltar”, afirma Danrlei.

Os descendentes

Embora os primeiros imigrantes que deixaram a região do Vêneto, na Itália, tenham chegado à Serra no final do século 19, Nova Pádua só se emancipou em 1992. A cidade foi desmembrada de Flores da Cunha, que, por sua vez, pertencia à região de Caxias do Sul no início do século 20.

Não à toa é possível ouvir em qualquer mesa de bar frases em português entremeadas por expressões em “talian”, o dialeto vêneto reconhecido por lei municipal como língua oficial da cidade. Até mesmo eventos culturais, missas e sessões da Câmara são realizados no idioma.

“O passado é muito importante. Diz assim um provérbio que uso sempre: ‘Se i nonni non racconta ei nipote non ascolta, la catena de storia se rompe’. Se os avós não contam essa história e os netos não ouvem essa história, a corrente se rompe e se perde toda uma cultura, uma história de vida, de luta”, explica o presidente da Associação Vêneta, Alvírio Tonet.

Elevada a município no começo dos anos 1990, portanto, Nova Pádua é mais jovem do que a maioria da população que vive lá e do que qualquer candidato ao Planalto, ao Piratini ou ao Senado. Só mesmo o prefeito é mais novo do que a cidade que administra.

Danrlei tem 25 anos, foi eleito com 23 e já era vereador aos 19. Nasceu quando seu homônimo mais famoso conquistava a segunda de três Copas do Brasil pelo Grêmio, em 1997, e nem de perto esperava se tornar um dos expoentes do PSD gaúcho como deputado federal e secretário estadual de Esporte e Lazer.

O Danrlei paduense é o mais jovem mandatário de um Executivo do Rio Grande do Sul e integrante da ala do Progressistas que é crítica aos caciques do partido em âmbito nacional. O fisiologismo do PP em aderir ao governo de ocasião e muitos integrantes serem pivôs de escândalos de corrupção é alvo de contestações de Pilatti.

“Tem inúmeras situações que vieram do passado recente de que o nosso partido não é exemplo a nível nacional, da conduta de certos políticos dentro do PP, e que por uma série de vezes o nosso partido, no estado, tentou intervir com mudanças e não conseguiu”, pontua Danrlei.

Altos índices de desenvolvimento, baixos na criminalidade

A economia de Nova Pádua é sustentada pela agricultura, principalmente a vitivinicultura, ainda que produza pêssego, maçã, pera, chuchu, alho e cebola em grande quantidade. O setor costuma atrair trabalhadores sazonais que chegam para períodos de plantio e de colheita.

Estiagem e pandemia afetaram a produção nos últimos anos, mas os agricultores encontraram alternativas. Com uvas de maior qualidade, passaram a apostar no ecoturismo e no turismo rural para atrair visitantes que apreciam a natureza, ao mesmo tempo em que movimentam os negócios dos pequenos produtores. Para os paduenses, talvez esta dicotomia entre cidade e campo seja mais pungente do que aquela entre vertentes política.

“Aqui é o começo de tudo. Às vezes, o olhar do urbano, de quem não vivenciou uma realidade do interior, [ele] deveria rever seus conceitos e equiparar essa visão do interior com o urbano, do paulista com o sulista. De fato, a gente só quer a prosperidade dentro de honestidade”, afirma o prefeito.

Mais díspar do que a proporção entre quem votou em Bolsonaro e em Fernando Haddad (PT) na última eleição, só mesmo aquela de cor e raça. Mais de 96% da população é branca, conforme o Censo de 2010. Pouco mais de 3%, cerca de 80 pessoas, se declaram pretas ou pardas.

A cada hora, o sino da igreja matriz relembra que estamos em um berço católico. Além dela, outro símbolo suntuoso do catolicismo é o capitel de Maria Mediadora e Distribuidora de Graças, uma madona esculpida em mármore carrara branco com cinco colunas interligadas por uma estrela de cinco pontas.

Os crimes registrados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-RS), em Nova Pádua, não chegam a 400 nos últimos 20 anos. Assassinatos foram apenas dois — o último em 2010. Casos de violência contra a mulher praticamente não existem, tendo sido contabilizadas apenas três ameaças nos últimos três anos. Nem mesmo abigeato (roubo de animais), crime típico de zonas rurais, chega a ser um problema na cidade.

Predominam furtos, roubos, delitos relacionados a armas e, nos últimos anos, estelionatos. Foram 19, em 2021, mas que já recuaram para quatro em 2022. O delegado Rodrigo Kegler Duarte, de Flores da Cunha, região que compreende também Nova Pádua, justifica que este tipo de crime se acentuou na pandemia.

“Tivemos um período de aumento dos estelionatos praticados pela internet. Entretanto, nada diferente de outras localidades. No presente momento, aparentemente, caíram”, diz.

Além dos baixos índices de criminalidade, a cidade se destaca na qualidade de vida por outros indicadores. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), tanto nos anos iniciais (6,6) como nos anos finais (5), está acima da média do estado. Como referência, o Ideb brasileiro é de 5,8.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do paduense ao nascer é de mais de 76 anos, conforme o Censo de 2010.

Por outro lado, o grande número de idosos contribuiu, de certa forma, no número de óbitos causados pelo coronavírus. Conforme dados da Secretaria da Saúde do Estado (SES-RS), a Covid-19 matou 12 pessoas, e 722 casos conhecidos foram confirmados em Nova Pádua. É a 41ª maior taxa de mortalidade por habitante entre os 497 municípios gaúchos, apesar de ser apenas a 392ª em casos da doença.

E aí entra outra crítica sutil a Bolsonaro. O índice de vacinados com o esquema atualizado está em mais de 59% e, a despeito das declarações antivacina do presidente, 93,8% da população residente buscou ao menos uma dose do imunizante contra a Covid-19.

Fonte: g1.globo.com



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