A um visitante desavisado, em um dia de inverno, a frase inscrita no pórtico representa bem a Nova Pádua: pequeno paraíso italiano. Nos últimos quatro anos, porém, o município de 2,5 mil habitantes da serra gaúcha ficou mais conhecido por outro epíteto, o de cidade mais bolsonarista do Brasil, pois 92,96% de seus eleitores votaram em Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018.
O g1 foi às cidades que mais votaram proporcionalmente em Lula(Central do Maranhão, MA), Bolsonaro (Nova Pádua, RS) e Ciro (Pires Ferreira, CE) nas últimas eleições em que eles disputaram. Os três lideram a disputa neste ano, segundo o Ipec e o Datafolha.
A expectativa é que a população de Nova Pádua repita em 2022 o alto índice de votação no candidato, agora pelo PL, mesmo que, de forma mais envergonhada, os moradores reconheçam decepções com a condução dele na pandemia, com as alianças com o Centrão e o furo do teto de gastos em função dos benefícios sociais concedidos às vésperas da eleição.
“Aqui existem pessoas que votam eventualmente no Lula ou já votaram. Não há problema nenhum, na sociedade em que a gente está inserido, de rever os conceitos, alterar voto. Agora, acredito que, se for esta polarização entre Bolsonaro e Lula, Bolsonaro terá o mesmo percentual de votos aqui na cidade”, projeta o prefeito Danrlei Pilatti (PP).
Nos 160 km entre Porto Alegre e o município serrano, pelo menos quatro outdoors estampando a foto do presidente estão instalados à beira da estrada, inclusive na vizinha Flores da Cunha. Dentro de Nova Pádua, entretanto, o apoio é maciço, mas sem alarde.
Na paisagem, não se vê nenhuma toalha, bandeira, adesivo ou camiseta que altere visualmente a estética colonial da cidade. Os únicos banners são das candidatas a soberana da Festa dos Produtos Coloniais (Feprocol), prevista para fevereiro de 2023.
Mas, mesmo que Bolsonaro não se reeleja, os moradores não acreditam que isto vá mudar a ideologia nem tampouco interferirá nas características do povo paduense.
“Eu espero que [Bolsonaro] continue. Senão, a gente vai continuar trabalhando. Foi o município mais ‘aecista’ [Aécio Neves recebeu 88,1% de votos em 2016] e, hoje, não votaria nele”, diz Celso Sonda, dono da vinícola que abriga o principal ponto turístico da cidade, o Belvedere Sonda.
“Se aparecer alguém melhor do que Bolsonaro, com caráter melhor, eu vou votar”, completa Gema Sonda, a outra proprietária.
A eleição de Bolsonaro, por si só, não significou diretamente um impulso na economia local. Em 2019, no seu primeiro ano de governo, o produto interno bruto (PIB) de Nova Pádua teve um crescimento de 0,1% em relação ao ano anterior, segundo os dados do Departamento de Economia e Estatística do governo do Rio Grande do Sul.
O desempenho foi bem inferior ao dos primeiros anos dos três governos anteriores: em 2003, no primeiro ano do governo Lula, teve 18,4% de aumento; em 2011, com Dilma Rousseff, o acréscimo foi de 5%; e em 2017, no primeiro ano completo de Michel Temer na Presidência, a alta foi de 6,1%.
O alinhamento ideológico entre os governos federal e municipal não significa necessariamente um benefício para a cidade. No entendimento do prefeito Danrlei, a identificação do paduense com o projeto de Bolsonaro se deve mais à expectativa de “uma administração exemplar, sem escândalos de corrupção”, “que tivesse responsabilidade fiscal com o país” e “que entregasse o mandato em uma realidade muito melhor do que a que assumiu”.
“Com o passar destes anos e tendo em conta esses ônus carregados pela pandemia, a gente percebe que o trabalho como um todo no que diz respeito à economia, infraestrutura, entre outros, cumpriu bem. Os recursos obrigatórios, e muitas vezes extras, se cumpriram a contento”, avalia.
Bolsonaro não prestigiou o município com uma visita durante seu mandato. O mais próximo disso foi a passagem do ex-ministro do Turismo Gilson Machado, que foi conhecer o projeto de ampliação do mirante da cidade. A ideia é construir uma estrutura semelhante ao Skyglass, parque temático de Canela, com vista para o Rio das Antas.
De lá, é possível ver outra cidade que também homenageia as origens dos primeiros imigrantes: Nova Roma do Sul. E é lá que está o político de esquerda mais próximo de Nova Pádua. Roberto Panazzolo (PT) é vice-prefeito de Douglas Pasuch (PP). São 15 anos em que os partidos formam uma coligação, embora sejam adversários nas eleições nacionais. Ele acredita que parte da população o tenha elegido por questão ideológica, sim, mas que parcela dos eleitores nem sequer reparam nisto.
“É um pouco complicado [ser de esquerda]. Mas a ideia é que tenhamos liberdade. Não trazemos muito para o município a disputa nacional, essa polarização que se criou, e conseguimos evoluir bastante. Somos um município pequeno e procuramos direcionar os esforços para ele”, afirma.
Em Nova Roma do Sul, Bolsonaro teve 79,87% no segundo turno, contra 20,13% de Fernando Haddad.
Em Nova Pádua, a esquerda é incipiente. Em 2016, a cidade não teve nenhum candidato a vereador ou prefeito esquerdista; em 2020, o PDT lançou três candidatos a vereador, sem que nenhum tenha sido eleito.
Reni Menegat, um diretor de trânsito de 60 anos, foi um dos 134 votos (7,04%) em Fernando Haddad nas eleições de 2018. Desta vez, ele promete amealhar mais quatro da família, além de alguns vizinhos, para Lula.
“Ele ajudou muitas pessoas pobres. A gente podia fazer empréstimo com juros baratos. Agora não dá mais, juros muito altos. Mas ele vai voltar”, acredita.
O lulista é Lula até o nome. Na verdade, em apelido. Ganhou a alcunha nos anos 1980 devido ao ponta-esquerda do Internacional e da Seleção Brasileira na década anterior. Como fervoroso colorado, adotou Lula com orgulho, e com a admiração crescente ao homônimo mais famoso, “ficou melhor ainda”, diz.
Mesmo uma ilha em oceano bolsonarista, o Lula de Nova Pádua não cai em provocações. “Já estou acostumado. Nem dou bola. Eles vão ter que me engolir”, diz.
A cidade não está imune às notícias falsas. Não demora muito para que alguém comente em voz alta sobre alguma teoria da conspiração que jura ser verdade porque a recebeu no celular: a criação de uma nação única entre os países da América Latina supostamente pretendida pelos partidos de esquerda, o medo premente do comunismo com a ascensão de um governo esquerdista ou até um vídeo descontextualizado em que Lula supostamente defenderia criminosos que “podem roubar para tomar uma cerveja”.
Fonte: g1.globo.com
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