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Cannabis medicinal: pacientes que usam droga por recomendação médica temem ser prejudicados

Depois de publicar resolução que prevê medicamentos apenas para tratar alguns quadros de epilepsia, CFM anunciou, na quinta-feira (20), que vai abrir consulta pública sobre tema. Em Brasília, pessoas com outras doenças, que fazem tratamento à base de canabidiol, temem piora na saúde.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, no dia 14 de outubro, uma nova norma voltada a orientar como os médicos devem atuar com relação ao uso do canabidiol. Sem avanços, e mais restritiva, a resolução CFM nº 2.324/2022 autoriza que produtos de cannabis sejam usados apenas para tratar alguns quadros de epilepsia, além de proibir a prescrição de “quaisquer outros derivados (da cannabis sativa) que não o canabidiol”.

Entidades assinaram uma nota contra a resolução, defendendo o bem-estar de quem já faz tratamento com cannabis medicinal e obtém bons resultados. Nesta quinta-feira (20), o CFM anunciou que vai abrir uma nova consulta pública sobre o tema e, na sexta (21), pacientes que usam cannabis medicinal fizeram um protesto em Brasília .

São pacientes que têm prescrição médica para o tratamento, além da epilepsia, de dor crônicaansiedadeautismo e problemas relacionados ao sono. O g1 ouviu algumas dessas pessoas; veja abaixo o que eles dizem sobre o uso da droga.

Reabilitação neurológica

Helder Fernandes Silva sofreu um acidente de moto e teve um traumatismo craniano grave. De acordo com a mãe dele, Maria do Carmo Fernandes, o prognóstico era de que o filho passaria “o resto da vida” acamado.

“Não tínhamos esperança. Nenhum médico ofereceu nenhum medicamento e nem esperança pra gente”, conta a mãe. Há três anos e meio, ele começou a usar óleo de cannabis medicinal em busca de reabilitação neurológica.

“Quando chegou a ideia da cannabis na nossa vida, de imediato, trouxe a esperança de que ela poderia ajudar no sistema neurológico dele, fazendo a regulação do organismo. E por aí a gente foi”, diz Maria do Carmo.

Segundo a família, o uso por meio de recomendação médica trouxe “resposta rápida”. A mãe diz que os avanços foram sentidos na redução das convulsões, no aumento da força muscular e também na parte cognitiva.

“O Helder mudou totalmente a vida dele, e a nossa vida também. Hoje ele já cruza a perna esquerda, ele tá voltando a ter força e isso, pra nós, é vida”, comemora a mãe.

Helder, que tem 34 anos, explica que a qualidade do sono também melhorou. “Minha vida ficou melhor, eu ganhei muito. O remédio, ele tá me ajudando na reabilitação”, afirma.

Transtorno do Espectro Autista

A empreendedora Paula Paz é mãe de Daniel, de 14 anos, que possuí Transtorno do Espectro Autista (TEA) e tem epilepsia. O menino começou o tratamento com o óleo terapêutico de cannabis em 2017 e, segundo a mãe ,”evoluiu muito”.

“No início, eu decidi dar o óleo terapêutico da cannabis por conta das comorbidades que ele tem. Além de ser autista, ele tinha muitas crises convulsivas diárias. O Daniel usava quatro medicações por dia, pesadas”, diz a mãe.

Paula e Daniel participaram de um protesto, na manhã de sexta-feira (21), em frente ao Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasília, contra a resolução 2324/2022 da entidade, que restringe a prescrição da cannabis medicinal. A mãe diz que, se não fosse pelo tratamento à base de cannabis, o filho não conseguiria estar na manifestação.

“Foi através desse óleo que a vida do meu filho melhorou. Ele evoluiu. Hoje ele tem qualidade de vida, tem saúde”, diz Paula.

Crises convulsivas

A terapeuta Maria de Fátima Dutra é mãe de Luiza Dias Dutra, de 30 anos, que tem crises convulsivas desde os 21 dias de vida. Segundo Maria de Fátima, a filha sofre de um “retardo mental severo” e já chegou de seis a oito crises por dia.

“Ela tomou diferentes medicamentos e nenhum deles foi capaz de cessar as crises convulsivas. Minha filha tinha dor de cabeça, mal estar, vômito. Quem sabe e compartilha da minha dor sabe o que é você abraçar sua filha e dizer ‘filha, mamãe tá aqui. Vai passar'”, conta Maria de Fátima.

Há um ano, Luiza começou a fazer o tratamento com cannabis medicinal e, segundo a mãe as crises reduziram drasticamente. “Hoje a minha filha tem duas a três crises no mês e apenas próximo da fase hormonal da TPM. Fora desse período, não tem”.

“Os olhos dela estão vigilantes, participativos. Os olhos da minha filha mudaram e cognitivamente ela melhorou muito. A qualidade de vida da minha filha mudou”, diz a mãe.

Insônia

Marli Boaventura sofria de insônia, segundo ela mesma, “a vida inteira”. A psicóloga conta que tomou “inúmeros medicamentos alopáticos” para conseguir dormir, mas que eles a “prejudicavam demais”. Há um ano, Marli começou um tratamento a base de cannabis medicinal.

“Tenho sido muito beneficiada por ele, na substituição de remédios alopáticos pra dormir e que me prejudicavam demais. Faz um ano que eu durmo bem. Mas tem gente que precisa desses remédios muito mais do que eu”, diz a psicóloga.

Marli esteve no protesto contra a decisão do Conselho Federal de Medicina e diz que, além de defender “a própria causa”, luta pelo direito de outros pacientes que têm sido beneficiados.

“Eu sei que o meu problema é muito menor do que o da maioria que tá aqui. Então, eu acho absurdo que o Conselho Federal de Medicina trabalhe contra a saúde, cheio de preconceito e ignorância do que venha a ser o tratamento”, afirma.

Por que o CFM decidiu restringir a prescrição da cannabis medicinal?

Segundo a resolução do CFM, os medicamentos à base de cannabis só devem ser indicados para tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut, e no Complexo de Esclerose Tuberosa.

Além disso, a resolução apresenta um novo artigo no qual diz que é “vedado” aos médicos prescrever o canabidiol para outras doenças, exceto se o tratamento fizer parte de estudo científico.

A decisão vai contra o que é atualmente praticado até mesmo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o Ministério da Saúde compra medicamentos com canabidiol para várias patologias, inclusive para autismo.

O CFM afirma na resolução que, desde a publicação da norma anterior, em 2014, houve um aumento significativo da prescrição do canabidiol no lugar de tratamentos convencionais e cientificamente comprovados. O conselho diz que, apesar do sucesso do canabidiol em casos de síndromes convulsivas, houve “resultados negativos em diversas outras situações clínicas”.

A Sociedade Brasileira de Psiquiatria divulgou nota apoiando a decisão e afirmou que “não há nenhum registro em nenhuma agência reguladora internacional de nenhum canabinóide para tratamento de nenhuma doença psiquiátrica”.

À TV Globo, a Anvisa informou que vai manter a autorização para os produtos derivados da cannabis independentemente da resolução do CFM. A agência recebeu, no ano passado, 41 mil pedidos de importação de produtos à base de cannabis.

Fonte: g1.globo.com



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