O açaí entrou na lista do trabalho infantil do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. A edição de 2022 do ranking incluiu 158 produtos de 77 países e dez itens manufaturados com bens originados de trabalho forçado ou infantil. É a primeira vez que o açaí entra na lista.
A “2022 list of goods produced by child labor or forced labor” é publicada regularmente pelo Bureau of International Labor Affairs (Ilab) do Departamento do Trabalho do governo americano. Essa edição, de setembro, é a décima. O Brasil tem 18 produtos listados em outros anos que figuram ao lado do açaí – banana, carne bovina, tijolos, caju, cerâmicas, cacau, milho, algodão, suínos, peixe, calçados, mandioca, abacaxi, aves, arroz, ovelhas, sisal e tabaco.
“Há relatos de que crianças de até 8 anos estão engajadas na coleta de açaí no Brasil. Foram encontradas provas de trabalho infantil na cidade de Abaetetuba, importante centro de produção no Pará. As crianças são envolvidas na safra, de agosto a janeiro de cada ano, junto com suas famílias. A maioria das famílias da região depende da colheita como sua principal fonte de renda”, diz o texto do relatório.
“Relatórios e pesquisas de campo indicam que as crianças são vistas como extremamente valiosas na coleta em função da estatura e agilidade, características que permite a elas escalar troncos finos e altos sem que as árvores quebrem. A coleta é considerada um trabalho muito perigoso no Brasil, exigindo que os envolvidos escalem alturas que podem chegar a 18 metros. Falta às crianças equipamento de proteção adequado. Além disso, elas transportam facões na parte traseira de seus shorts”, segue o texto.
“É uma mácula na imagem de sustentabilidade do açaí”, diz João Meirelles, diretor-geral do Instituto Peabiru, organização não governamental que estuda o tema desde 2015. Ele explica que os jovens que fazem a coleta, chamados de peconheiros, sobem sem nenhum equipamento de proteção (EPI) pelo tronco do açaí, e depois descem segurando cachos que pesam sete ou oito quilos. “Estamos na pré-história do EPI para o açaí e isso é uma irresponsabilidade”, diz ele.
O Peabiru realizou uma pesquisa qualitativa, com a Fundacentro, a fundação do Ministério do Trabalho que trata do tema, em comunidades na ilha de Marajó. O estudo foi feito com 1.029 famílias e onde há cerca de três mil pessoas envolvidas na coleta do açaí.
“Na base da cadeia do valor do açaí, que se transformou em uma cadeia global e tem comportamento de ‘commoditie’, estão 120 mil famílias. Isso significa um grupo social de 500 mil pessoas”, continua. Meirelles reconhece que jovens sobem no açaizeiro duas vezes ao dia, em média, para o consumo das famílias. “Mas na safra alguns sobem mais de 30 vezes no mesmo dia, o que aumenta muito o risco de acidentes”. Jovens ousam mais, podem subir mais de 20 vezes ao dia e ainda passam de uma árvore a outra pelas copas, expondo-se a riscos ainda maiores.
“Há a visão romântica que é tradicional subir no açaizeiro, que é cultural. Esse é um tabu que precisa ser quebrado imediatamente: não há nada de romântico em subir 10 ou 20 vezes em um dia em árvores de mais de 12 metros, com um facão sem bainha atrás do calção”, denuncia.
“O mais grave, para nós, é a invisibilidade do peconheiro. Estamos falando de 500 mil pessoas”, segue Meirelles. “Essa total invisibilidade da insegurança do trabalho perante o consumidor final faz com que os elos fortes da cadeia de valor – as indústrias, os atacadistas, os varejistas e as batedeiras (nome que se dá ao processo de preparação para o consumo regional, no Pará, por exemplo) não se responsabilizem com a segurança do trabalhador. Esses elos precisam reconhecer isso”, segue Meirelles.
Fonte: https://valor.globo.com/
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