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‘Divórcio grisalho’: o crescente fenômeno das separações após décadas de casamento

A frase dela resume o pensamento de muita gente em um momento em que, de uma maneira geral, as pessoas vivem mais e chegam em melhores condições de saúde física e mental a idades que anos atrás eram vistas como avançadas.

A tendência é tão popular que levou pesquisadores americanos como Susan L. Brown a cunhar um termo para o fenômeno: “divórcio grisalho”.

O termo costuma se referir ao divórcio de pessoas com 50 anos ou mais que decidem deixar seus parceiros após muitos anos de casamento.

  • Brasil registrou cerca de 387 mil divórcios em 2021, alta de 16,8%

“O divórcio não é mais visto como algo tão estigmatizado como poderia ser no início, parece muito mais normal”, explica a psicóloga e escritora Silvia Congost.

“Como o divórcio é mais normalizado, ele também está mais presente nessas idades.”

“Além disso, a expectativa de vida está aumentando. Quando chegamos aos 65 anos, temos em média duas décadas de vida pela frente, e se alguém não está feliz, não quer mais se contentar com isso. Sabe que tem mais opções.”

De acordo com um estudo de Susan L. Brown, que codirige um centro de pesquisas sobre casamentos e famílias na Universidade Estadual de Bowling Green, nos EUA, o número de divórcios grisalhos dobrou entre 1990 e 2010 no país.

Há uma geração, menos de 10% dos divórcios envolviam cônjuges com mais de 50 anos. Hoje, mais de 25% dos divorciados têm mais de 50 anos.

No Brasil, em 2021, 25,9% das pessoas que tiveram divórcio confirmado na primeira instância da Justiça ou via escritura tinham mais de 50 anos, segundo levantamento da BBC a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2019, o percentual foi ligeiramente menor — 25,2%. A reportagem não conseguiu acesso a dados de anos anteriores com a mesma metodologia.

Ainda de acordo com um relatório do IBGE, em 2021, na data do divórcio, os homens tinham, em média, 43,6 anos e as mulheres, 40,6 anos de idade.

Enquanto isso, em 2010, o tempo médio entre a data do casamento e a data da sentença ou escritura do divórcio era de cerca 16 anos. Em 2021, esse intervalo diminuiu para 13,6 anos.

No México, o número de pessoas que se divorciaram com mais de 50 anos aumentou em dez anos, passando dos 10.531 divórcios registrados em 2011 para 28.272 em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI).

Na Espanha, outro exemplo dessa tendência, 34.449 pessoas com mais de 50 anos se divorciaram em 2021, em comparação com as 24.894 registradas em 2013, segundo dados oficiais.

‘No tempo que me resta, não quero problemas'”Quando chega a aposentadoria, cada vez mais casais não querem mais ficar juntos”, analisa Sacramento Barbas, mediadora e psicóloga da fundação ATYME, pioneira na implementação de técnicas de mediação na Espanha.

Algumas frases que ela e seus colegas mais ouvem incluem: “no tempo que me resta de vida, não quero ter problemas” e “não reconheço meu companheiro, é como se fosse outra pessoa”.

Mas, segundo a psicóloga, “às vezes são os filhos adultos que colocam impedimentos, porque não querem que os pais se separem”.

A psicóloga argentina Beatriz Goldberg, especialista em crises individuais, diz que pessoas que passam por divórcios grisalhos muitas vezes entram em novos relacionamentos com expectativas diferentes.

“Tem gente que sente que o novo parceiro é mais para curtir, e o outro era para construir uma família”, diz Goldberg, autora do livro Me separé y ahora qué (“Me separei, e agora?”, em tradução livre).

A meia-idade é marcada por importantes transições na vida. Os filhos crescem e saem de casa, enquanto as carreiras podem ficar para trás com a aposentadoria.

Sem a rotina diária de cuidar dos filhos e as longas jornadas de trabalho, os cônjuges podem descobrir que têm pouco em comum.

O divórcio grisalho não costuma ocorrer por conta de um acontecimento específico, mas é fruto de um distanciamento, explicam os especialistas.

Além da normalização do divórcio, temos hoje também a valorização da independência das mulheres.

“Nós, mulheres, percebemos que não temos que tolerar certas coisas que nossas avós toleravam. Aquele modelo de família em que um sustenta o outro não é mais tão necessário”, explica Silvia Congost.

“Se você não está feliz, sabe que não precisa aguentar mais. O nível de tolerância em alguns casos é menor.”

Separação aos 65 anosAída Sedano se casou aos 24 anos, mas logo percebeu que casamento não era o que ela pensava.

Trancada em sua casa em Tijuana o dia todo com as filhas e obrigada a parar de trabalhar como professora rural, profissão que amava, ela viu os anos passarem.

“Eu conversava com minhas tias e dizia que não gostava daquele relacionamento, que ele não vinha para casa, que bebia, que gastava muito. E todo mundo me dizia: Você tem uma casa boa, você tem bons móveis, você se veste bem. Não falta nada”, conta ela à BBC News Mundo.

Quando Sedano finalmente se mudou para San Diego com o marido, ela conseguiu voltar para a universidade para estudar pedagogia, aos 45 anos.

“Quando voltei para a universidade foi que comecei a aprender que nós, mulheres, tínhamos direitos, que o mundo havia mudado.”

Finalmente, aos 65 anos, ela decidiu deixar o marido — o que ela reconhece ser um caminho “muito difícil”.

“A dor chega até à medula óssea.”

“Sou uma senhora normal que sofreu e que encontrou nos vídeos uma forma de se conectar, de ter amigos”, diz ela sobre sua conta no TikTok.

Fonte: g1.globo.com



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