Faz dez anos que a paranaense Lady Daiane de Vargas Flores cuida em tempo integral da mãe, que sofre de demência. Dona Maria Joana tem 68 anos e já não fala, não anda nem se alimenta sozinha.
“Ela virou um bebê total”, explica Daiane, 39 anos, à BBC News Brasil.
A pior fase da doença de dona Maria Joana aconteceu justamente quando Daiane estava, ela própria, prestes a virar mãe — grávida de um menino que hoje tem 7 anos.
“Quando você vai ganhar um bebê, quer que a sua mãe esteja ao seu lado. Mas, comigo, o que aconteceu é que virei órfã de mãe e passei a ter uma filha a mais.”
Daiane não está sozinha no desafio de cuidar simultaneamente de duas gerações: mudanças demográficas e sociais em curso no mundo inteiro tornam cada vez mais comum que famílias, em especial mulheres, sejam “prensadas”, ao mesmo tempo, pelas demandas tanto de pais idosos que necessitam de cuidado quanto de filhos — ou mesmo netos — que também requerem atenção constante e sustento financeiro.
O nome dado a isso, internacionalmente, é o de “geração sanduíche” — que ganha contornos ainda mais complexos no Brasil (veja mais detalhes abaixo na reportagem).
Nos Estados Unidos, por exemplo, uma pesquisa do centro Pew estimou que quase um em cada quatro adultos americanos potencialmente se encaixa nessa definição — ou seja, tem responsabilidades tanto com pais idosos com mais de 65 anos quanto com filhos menores de idade (ou maiores de 18 anos, mas ainda financeiramente dependentes).
A faixa etária mais propensa a ser “ensanduichada” é a dos 40 anos: mais da metade (54%) dos americanos nessa idade tem pais e filhos que possivelmente demandam cuidados ou ajuda financeira.
Não há estatísticas precisas sobre o fenômeno no Brasil, segundo especialistas consultados pela reportagem. Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) do IBGE em 2019 apontam que 54,1 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais cuidavam de outros moradores da sua casa ou de outros parentes — mas não se sabe ao certo quantos cuidam de duas gerações ao mesmo tempo.
A despeito disso, a expectativa é de que o fenômeno da “geração sanduíche” se torne mais comum em um futuro próximo, como explicam as pesquisadoras brasileiras Simone Wajnman e Jordana Cristina Jesus em um estudo sobre o tema no Brasil.
Há uma combinação de motivos por trás desse fenômeno global: como as pessoas estão tendo filhos mais tarde, e seus pais estão vivendo mais, muitas se veem lidando com os cuidados das duas gerações.
Ao mesmo tempo, as famílias ficaram menores — e há menos pessoas com as quais dividir essas tarefas.
Outro fator importante, segundo as pesquisadoras brasileiras, é que uma parcela significativa dos jovens têm demorado mais para obter sua independência financeira, adiando a saída da casa dos pais.
“Acredita-se que eles tenham passado cada vez mais tempo na condição de dependentes, principalmente quando comparados à geração de seus próprios pais”, apontam Wajnman e Jesus.
“O cenário gerado por essas mudanças é de uma parcela cada vez maior de adultos comprimidos simultaneamente por demandas de seus filhos e de seus pais, (…) sendo que as mulheres são as mais propensas a ocupar esse papel.”
As estatísticas comprovam essa propensão: segundo o IBGE, as mulheres dedicam, em média, 10,4 horas por semana a mais do que os homens às tarefas domésticas e aos cuidados não remunerados com pessoas.
É o caso de Daiane, que desde a morte do pai cuida sozinha de dona Maria Joana. Nem o marido, nem os irmãos dela participam da rotina de cuidados, diz ela.
“Aprendi a dar banho nela e faço tudo o que está ao meu alcance. Quando ela ainda falava, até me chamava de mãe. (…) Eu acho que Deus me deu isso para eu aprender o que é o amor verdadeiro por alguém — porque é uma experiência de amor.”
Mas o acúmulo de funções com o filho, com a mãe e com os afazeres domésticos tem cobrado um preço alto da saúde mental de Daiane. Ela conta que já enfrentou períodos de depressão profunda.
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