O Ministério Público Federal está investigando a compra de veículos blindados pela Polícia Rodoviária Federal. O custo pode passar dos R$ 100 milhões e alguns nunca foram usados.
A empresa que vendeu a maioria dos blindados para a Polícia Rodoviária Federal fez a apresentação de um dos veículos na sede da PRF de Santa Catarina em 2022. O então diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, e o ministro da Justiça na época, Anderson Torres, participaram da solenidade, como anuncia o narrador do vídeo. Os dois chegaram à cerimônia dentro do blindado da Combat Armor.
O nome de Silvinei Vasques aparece como o responsável pela aprovação de contratos com a Combat Armor no período em que ele era superintendente regional na PRF do Rio.
Dos 29 veículos blindados que a empresa forneceu para essa superintendência, como consta nos processos, nove estão parados no pátio da sede da PRF, que fica na Zona Norte da cidade. Cinco blindados são de operações especiais, conhecidos como caveirões – que chegaram a custar quase R$ 1 milhão cada um. Todos têm o símbolo da empresa fornecedora: a Combat Armor.
A Combat é uma empresa com sede nos Estados Unidos; pertence a Daniel Beck, apoiador do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Ele esteve em Washington durante a invasão ao Congresso americano em janeiro de 2021.
No Brasil, a empresa é administrada pelo empresário Maurício Junot de Maria, que já atuava no setor de blindagem. A Combat Armor entregou veículos para a Polícia Rodoviária Federal em quatro estados e no Distrito Federal nos anos de 2020 e 2021.
Pelo que consta nos processos de licitação, foram 69 unidades: 12 caveirões e 51 chamados de “caveirinhas”. A própria PRF diz que até 2018 não tinha blindados na frota.
O Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar a compra de blindados pela Polícia Rodoviária Federal. O núcleo de controle externo da atividade policial do MPF suspeita que houve fraudes nos processos de licitação e questiona a necessidade da compra desse tipo de veículo. A investigação também quer saber se há algum tipo de relação entre o ex-diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, e a empresa Combat Armor.
Silvinei se aposentou da Polícia Rodoviária Federal em dezembro de 2022, quando já tinha se tornado réu por improbidade administrativa por uso indevido do cargo ao pedir votos para Jair Bolsonaro. Ele também é investigado por operações da PRF que atrapalharam o deslocamento de eleitores no segundo turno da eleição.
O MPF acredita que as negociações entre a Polícia Rodoviária Federal e a Combat Armor podem ter passado dos R$ 100 milhões. Pelo Portal da Transparência do Governo Federal é possível ver que a empresa recebeu mais de R$ 30 milhões em 2020 e 2021.
Em uma vistoria no pátio da PRF no Rio, o procurador Eduardo Benones não encontrou todos os blindados que foram comprados pela superintendência. O procurador estranhou que veículos considerados de operações especiais – os caveirões que estavam lá – nunca tenham sido usados.
“Já não pareceria de muito bom senso ver a Polícia Rodoviária Federal municiada com tantos blindados chamados caveirões, no jargão policial. A gente achou um arsenal condizente com o de uma unidade militar das Forças Armadas. Não necessita”, afirmou o procurador do MPF Eduardo Benones.
Em fevereiro de 2022, ainda sob o comando da gestão anterior, a Polícia Rodoviária Federal participou de uma operação em favelas do Rio com 9 blindados do tipo caveirinha; 25 pessoas morreram. O Ministério Público Federal questionou a legalidade da participação dos agentes, já que a atribuição da PRF é fiscalizar as rodovias federais do país.
“A Polícia Rodoviária Federal passou por um processo, nos últimos quatro anos, de desvio de finalidade. É uma polícia, que segundo a Constituição, tem a função de patrulhar e vigiar as rodovias federais do país, que já não é pouca coisa. É necessário, em alguns casos, que a gente tenha, sim, viaturas blindadas. Mas não faz o menor sentido ter caveirões, que são veículos táticos para invasões”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública.
A Polícia Rodoviária Federal informou que, em 2022, foi aberta uma investigação interna para apurar os motivos da compra dos veículos blindados, mas o corregedor-geral, na época, Wendel Matos, decidiu pelo arquivamento no fim de 2022.
A PRF, que desde o começo de 2023 tem uma nova diretoria, diz também que há uma subutilização dos blindados e que faz um estudo para avaliar o aproveitamento e a confiabilidade dos veículos. Dependendo do resultado, a PRF pode redistribuir os blindados para outras forças de segurança.
“O gestor público não pode gastar o que quer e o que bem entende. Ele gasta o que é possível com o que é necessário. Se a gente tem dúvida, compete inteiramente ao Ministério Público, em prol da sociedade, investigar”, diz Benones.
O Jornal Nacional não conseguiu contato com o ex-diretor-geral da PRF Silvinei Vasques.
A Combat Armor não respondeu ao contado.
O ex-corregedor-geral Wendel Matos disse que não teve acesso à investigação.
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