A trajetória de Lemos Monteiro, que fazia parte da equipe de cientistas do instituto desde 1919 e morreu aos 42 anos de idade, mostra como a febre maculosa e os carrapatos que a transmitem nunca deixaram de ser um problema difícil de enfrentar, apesar da relativa raridade dos casos.
Os eventos que levaram à infecção que vitimou tanto o médico quanto, alguns dias antes, seu assistente Edson Dias não estão totalmente claros. Pesquisador prolífico, Lemos Monteiro já trabalhara com doenças infecciosas muito mais transmissíveis, como a varíola, a coqueluche e a tuberculose. Em 1933, começou a trabalhar numa comissão do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo que tinha como objetivo criar maneiras de prevenir a febre maculosa.
“Assim como hoje, os casos eram esporádicos, mas a preocupação era com a letalidade muito alta da doença”, explica Marcelo Labruna, que estuda o ciclo da doença em carrapatos e animais como pesquisador da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. “Se hoje ela fica em torno de 50%, no começo do século passado ela era de cerca de 80%.”
Um dos objetivos de Lemos Monteiro e Dias era produzir uma vacina contra a doença. Provavelmente, segundo Carlos Jared, a ideia era usar os próprios carrapatos transmissores, triturados em laboratório, na produção do imunizante contra as bactérias do gênero Rickettsia.
É aqui que começam as dúvidas. O documento contemporâneo do Butantan diz apenas que os dois pesquisadores acabaram adoecendo quando trituravam os carrapatos contaminados. Não se diz, porém, como a transmissão das bactérias aconteceu. “Há o risco, ao manipular esse material, de produzir aerossóis [partículas em suspensão no ar] capazes de carregar a bactéria”, explica Labruna. Outras possibilidades seriam o contato de fragmentos dos carrapatos com pequenas feridas nas mãos, ou o das mãos que manipulavam os invertebrados com os olhos.
“Até aquele momento não havia quase nenhum cuidado com a biossegurança. O caso acabou, inclusive, influenciando a introdução desse tipo de precaução em pesquisas do tipo no Butantan e no resto do Brasil”, diz o pesquisador.
Devido à elevada taxa de letalidade na época, os cientistas infectados trataram a infecção como uma espécie de sentença de morte. Os sintomas dos dois eram detalhados na imprensa diária, que acompanhava o drama. “Havia a crença de que, se a pessoa sobrevivia a dez dias de sintomas, ela ficaria curada, uma ideia muito comum também para outras doenças no caso dos médicos de então. Mas isso não batia com a realidade”, conta Jared.
O pesquisador do Butantan aponta ainda que, provavelmente por questões de classe, as homenagens póstumas se concentraram na figura de Lemos Monteiro, muitas vezes deixando de lado seu colega Dias, “visto como mero técnico de laboratório”.
Uma vacina só viria nos anos 1960, mas sem muito sucesso. “Por causa da virulência da bactéria, muito formol era usado para inativá-la, o que tornava a vacina muito tóxica. E a eficácia também não era tão alta”, diz Labruna. A produção deixou de acontecer nos anos 1980, já que o tratamento da infecção com antibióticos era muito mais simples e eficaz, desde que feito a tempo.