Repertório do grupo revelado na novela ‘Rebelde’ tem músicas artificiais feitas de forma apressada. Ingressos para oito shows em estádios no Brasil, em novembro, estão esgotados.
Neste mês, o RBD esgotou os ingressos de oito shows em estádios no Brasil. Em 2020, emplacou 32 músicas no top 200 brasileiro do Spotify. Nos anos 2000, vendeu mais de 2 milhões de discos por aqui. É inegável o sucesso do grupo pop mexicano, criado a partir de “Rebelde”, novelinha da Televisa exibida no SBT entre 2004 e 2006.
A questão aqui não é a popularidade do RBD, mas o que ele representa na parte musical: bem pouco ou quase nada. A discografia do sexteto mexicano não tem relevância artística, não foi além do pop rock romântico latino consolidado nos anos 90. Não há, dentre os mais de 30 singles lançados pelo grupo, sequer uma música que fuja do óbvio. A assinatura musical do RBD é ser inofensivo, não se arriscar.
A culpa não é só de seus então inexperientes integrantes. “Fechamos para começar a gravar as músicas enquanto gravávamos a série, ao mesmo tempo. Quando estreamos na televisão aberta, rapidamente já estávamos fazendo shows”, contextualizou Damián em entrevista recente ao g1. Está aí mais um fator que explica a pouca inventividade do RBD. É muito difícil criar e gravar boas canções quando tudo é feito com tamanha pressa.
Na extensa lista de compositores e produtores nos nove álbuns de estúdio com canções em espanhol, inglês e português, um nome pouco conhecido se destaca: Max di Carlo. O produtor italiano é coautor das dez primeiras músicas gravadas pelo RBD. “Sálvame”, “Un Poco de Tu Amor” e “Rebelde” (entre as mais ouvidas deles no streaming) fazem parte da lista.
Quando conversou com o g1, o hitmaker italiano reconheceu que tudo que cercou a produção dos álbuns do RBD foi “meio caótico, muito complicado”. Embora tivessem experiência em novelas, comerciais e programas infantis, ninguém do grupo tinha frequentado um estúdio profissional ou tentado a sorte em produções musicais caseiras.
“Eles não eram tão bons no começo, porque eles eram jovens, né? Eles não tinham experiência mesmo… Ainda bem que tinha pro-tools”, disse Max, dando uma risada e citando a famosa ferramenta digital para afinação de vocais. “Eram seis atores ou cantores, se você quiser chamá-los de cantores.” Uma parte dos vocais era gravada em Los Angeles e outra parte era gravada na Cidade do México: mais um detalhe que ajuda a explicar certa artificialidade nas músicas do RBD.
Max fazia a melodia e Carlos Lara (letrista mexicano com Menudo e Ricky Martin no currículo) escrevia os versos. Max não fala espanhol e por isso escreveu todas as músicas “pensando em algum cantor americano”. Todas as versões originais eram feitas em inglês e depois vertidas para o espanhol. Também ganharam arranjos com um toque mais pop latino.
“Eu mostrei para o Carlos e ele pensou que aquelas músicas seriam ótimas para ‘esse novo grupo’. E daí eu pensei: ‘Por que não?’ E foi como tudo aconteceu.” Segundo ele, as primeiras versões que parariam no repertório do RBD chegaram a ser cotadas para outro projeto: uma cantora mexicana chamada Lynda. Todas essas confusas idas e vindas confirmadas por Lara, Damián e Max comprovam como a produção das músicas do RBD foi caótica e nada bem pensada.
Damián completa o trio que inventou o som rebelde. O empresário, showrunner e produtor mexicano de 70 anos explicou a pouca variação nos assuntos das tramas de “Rebelde” e das letras do RBD: “Hoje, talvez eu gostaria de ter abordado temas como aquecimento global, consciência ambiental, o respeito à natureza. Teria mais abertamente temas sobre sexualidade.”
O amor cantado pelo RBD é casto, sem quentura. A proposta não é que o grupo cante sobre sentadas ou use palavrões e descrições sexuais. Faltam nas letras, talvez, relatos mais pessoais e menos genéricos. Boy bands, girl bands e artistas pop em geral costumam ter algum grau de participação na escolha e criação de repertório. No caso do RBD, essa interferência era ainda menor.
Isso explica, por exemplo, a presença de versões como “Tu amor”, escrita por Diane Warren, autora de clássicos melosos como “I Don’t Want to Miss a Thing” e “Because You Loved Me”. A balada da hitmaker veterana é a música do RBD mais ouvida em rádios brasileiras: conseguiu um honroso 63º na lista geral de mais tocadas em todo o ano de 2007.
No ranking dos discos mais vendidos dos dez últimos anos, só o RBD conseguiu fincar discos nas primeiras colocações. Foram dois em 2005 e três em 2006. Os números do grupo mexicano sempre impressionam, mas seria ótimo que tivessem a companhia de uma discografia melhor.
A formação clássica do RBD tinha Anahí, Dulce Maria, Maite Perroni, Alfonso Herrera, Christopher Uckermann e Christian Chavez. Nos 54 shows desta nova turnê, Alfonso se recusou a participar. Todos tinham um passado de estrelinha mirim:
Anahí começou aos dois anos, no programa “Chiquilladas”;
Maite Perroni fazia comerciais quando era bem novinha;
Christian Chávez fez uma propaganda de fraldas aos três anos;
Christopher Uckermann atuou em “O diário de Daniela”, aos 12;
Alfonso Herrera fez peças de teatro e filmes quando mais novo;
Dulce María esteve na versão mexicana de Vila Sésamo, ou Plaza Sesamo, dos oito aos 10 anos.
Nas primeiras 24 horas de vendas de ingressos da nova turnê, mais de 1,5 milhão de ingressos foram vendidos. O interesse pelo RBD ainda está vivo e deve gerar mais músicas, é claro. Um novo álbum e mais shows estão previstos para 2024.
Lançada em agosto passado, “Cerquita de Ti” é a primeira canção da banda após hiato de 15 anos. Uckermanné um dos compositores desse pop suave. Não é a primeira vez que ele assina uma música do grupo. Ele é um dos autores de “Sueles Volver”. Antes, Dulce Maria apareceu como uma das autoras de “Más Tuya Que Mía” e Alfonso Herrera foi listado entre os compositores de “Si No Estás Aquí”.
Já tive a chance de entrevistar os cinco rebeldes que seguem no RBD. Em 2010, conversei com Anahí, para uma reportagem da edição brasileira da revista “Billboard”: “Não posso ser rebelde para toda a vida. Tenho que mudar. Quero crescer, quero ser falada.”
Anahí estava em uma fase mais ousada, então no começo da carreira solo. E a cantora é apenas um exemplo de como, no geral, os integrantes iam melhor quando estavam sozinhos. Ela cantou com vestido de noiva sujo de sangue e com faca (de mentira, claro) cravada nas costas. Ela foi comparada à Lady Gaga, mas disse que curtia mesmo era a Madonna.
Anahí também comentou que queria um som mais indie, menos comercial. Por isso ela estava trabalhando com o Kinky, banda de rock eletrônico mexicano super cultuada. “A fusão do pop com o alternativo é algo que me encanta”, Anahí resumiu. Você nunca ouvirá ou verá algo desse tipo no RBD. O som e a identidade visual da banda sempre foram óbvios.
Maitê, por sua vez, foi por um lado bem diferente em sua carreira solo: ela se dizia fãs de bachatas, ritmo bem em alta na época no mercado hispânico cheia de bongôs e violões tristes. A aposta dela nesse gênero foi antes de a bachata estourar no mercado brasileiro, no som de popstars do sertanejo como Gusttavo Lima.
Christian Chávez também se arriscou na carreira solo. Lançou uma música com Lexa, em 2018, e se enveredou por arranjos mais dançantes, com as quais ele se encantou quando virou frequentador assíduo de boates na costa oeste americana.
Quando os rebeldes parecem ser eles mesmos e cantam músicas mais pessoais, tudo funciona melhor. Se o RBD lançar um álbum em 2024, seria ótimo ter os integrantes do grupo opinando mais, mostrando suas vontades e influências. A empolgação do fã-clube continuará a mesma, porém com uma trilha sonora bem melhor.
Fonte: www.g1.globo.com
Divulgar sua notícia, cadastre aqui!