A Covid-19 exigiu medidas emergenciais para garantir a sobrevivência de micro e pequenas empresas, que precisavam de crédito para suportar a interrupção dos negócios. O governo injetou R$ 16 bilhões em um fundo que já existia desde 2009 —o Fundo Garantidor de Operações (FGO)— e criou a modalidade FGO-Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte).
Nesse modelo, havendo inadimplência, o governo cobre um percentual do valor não pago, e o restante é absorvido pelo banco emprestador.
Os R$ 15,9 bilhões injetados no fundo aumentaram o déficit primário no momento do desembolso, em 2020. A lei determinava que, finda a pandemia e extinto o programa, o saldo restante no fundo retornaria ao Tesouro, reduzindo o custo fiscal.
O dinheiro nunca voltou. O Pronampe transformou-se em permanente. Novas capitalizações foram feitas e, até agora, em termos líquidos, o governo já colocou R$ 37 bilhões no FGO.
O mundo político descobriu que, ao manter o dinheiro no fundo, passou a existir uma espécie de orçamento paralelo, com flexibilidade para atender novas políticas, sem precisar disputar espaço com outras prioridades orçamentárias.
Com parte do dinheiro do FGO-Pronampe abriu-se um novo segmento dentro do FGO, para garantir as operações de renegociação de dívidas dentro do Programa Desenrola. Agora, com a MP 1.213/24, de estímulo ao crédito, recursos não usados no Desenrola estão sendo deslocados para garantir operações de microcrédito às famílias do Cadastro Único e a microempreendedores individuais.
Fica a impressão de que essas políticas não têm custo fiscal, porque são financiadas por simples realocação dentro de um fundo garantidor que já existe. Contudo, se elas não fossem criadas, o dinheiro voltaria para o Tesouro, ajudando a reduzir o déficit e a dívida.
Além disso, a descapitalização do fundo pode exigir aportes adicionais do Tesouro. A MP 1.213/24 já prevê um aporte de R$ 1 bilhão para garantir o microcrédito às famílias do Cadastro Único, a partir de 2025. Na linha para microempreendedores, foi triplicado o limite de participação da União na cobertura da inadimplência, o que deve consumir mais rapidamente o saldo do fundo e exigir nova capitalização.
Há outros fundos, como o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), com capital da União, operado pelo BNDES, que também abriu linha emergencial na pandemia e foi, posteriormente, transformado em permanente.
A participação da União em todos esses fundos soma R$ 77 bilhões. Errar na mão na sua gestão como, por exemplo, subestimar a inadimplência, pode ter alto custo fiscal. Isso ocorreu na experiência do Fies, com prejuízos bilionários incorridos no âmbito do seu antigo fundo garantidor (FGEDUC).
Foi dado um perigoso passo adicional no uso de fundos. A concessão de bolsa a estudantes do ensino médio (Programa Pé-de-Meia) é uma típica política pública que deveria ser operada com dotações orçamentárias, como qualquer outra política social. Mas o governo preferiu criar um fundo, no qual depositou R$ 6 bilhões (ampliando o déficit de 2023) para custear o programa a partir de 2024.
O fundo do Pé-de-Meia entrou na dança da realocação. Antes recebia recursos do FGO-Pronampe, agora o dinheiro virá do FGEDUC. Uma política tipicamente orçamentária está sendo financiada por fora do Orçamento. A tentação de ampliar esse modelo é risco que precisa ser monitorado.
Outra iniciativa preocupante é a transformação da empresa pública Emgea em uma securitizadora de crédito imobiliário. Ela não tem governança, transparência nem adequada regulação e supervisão para fazer tais operações com segurança. Se a empresa fosse liquidada, como antes previsto, os R$ 10 bilhões que serão investidos na empreitada voltariam para o Tesouro e ajudariam na redução da dívida pública.
Operar mecanismos de exceção, durante uma pandemia, é plenamente aceitável. Mantê-los e ampliá-los após a emergência é preocupante.
Vale citar, como alerta, trecho de relatório do Ministério da Fazenda que, em 2017, analisou o custo fiscal do Fies: “esse fundo se apresentou como forma legal de o governo expandir o Fies, sem as restrições fiscais usuais (…) passando a falsa impressão [de] que o programa não aumentaria os riscos fiscais e o endividamento do setor público”. Deu no que deu.
Fonte: www1.folha.uol.com.br
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