“Quando você intuba e o paciente é sedado, escorre a lágrima que ele estava segurando pra não chorar naquele momento…”, conta a fisioterapeuta Juliana Tomaz, que saiu da faculdade direto para a luta contra a doença em UTI.
Com pouco mais de um ano de formada em Fisioterapia, a jovem Juliana Tomaz, de 24 anos, já passou a maior parte da carreira atuando contra a covid-19. Há aproximadamente 12 meses ela atende em alas de UTI, dividindo-se entre um hospital particular e um público em Parauapebas, no sudeste do Pará. Da experiência, carrega o aprendizado e muito, muito cansaço.
Logo que se formou, Juliana estreou na profissão atuando no Pilates e atendendo pacientes em casa. A rotina tranquila durou pouco e se transformou bruscamente quando surgiu a pandemia de Corona vírus. A primeira atividade que exercia não era considerada essencial e ela perdeu o emprego. A segunda tornou-se impossível em proteção aos muitos idosos cujos domicílios visitava, considerados pacientes de risco. “Fiquei desempregada, aí apareceu a UTI e eu agarrei”.
Para ela, apesar de enfrentar de cara uma pandemia assustadora, hoje, mesmo com maior experiência, o trabalho está mais difícil que no ano passado. “Está mais tenso. O início foi assustador pelo primeiro contato. Só que agora muita coisa não está ao nosso alcance e eu acho psicologicamente pior”, afirma, exemplificando a dificuldade em trabalhar com falta de algumas medicações.
“O fluxo está muito maior. Da outra vez a gente não tinha tantos pacientes intubados quanto temos agora. Acho que dessa vez estamos fazendo melhor e conseguimos tirar mais gente, pela experiência, mas o que está dificultando é a questão de insumos, e isso pesa. Às vezes, sabemos o que fazer, só que depende de tal coisa e não tem”, confessa.
A própria fisioterapeuta afirma que a falta de medicamentos não é irresponsabilidade dos hospitais, mas um problema de logística e escassez de produtos no mercado.
Juliana, que cuida de cerca de 25 pacientes nos dois hospitais, explica que em relação à covid-19, o fisioterapeuta é responsável pela parte respiratória e motora dos internados. “A gente trata para prevenir que ele seja intubado e cuidamos quando já está no tubo. Acompanhamos o ventilador mecânico, os parâmetros a serem ajustados e realizamos uma terapia antes da intubação, que é chamada de Ventilação Não-Invasiva (VNI), uma máscara acoplada ao ventilador que tem ajudado bastante o paciente a não ir para intubação”.
Enquanto o paciente está sedado, acrescenta, o profissional garante a mobilidade no leito, para evitar feridas na pele, e também auxilia na recuperação motora quando a pessoa sai deste estado.
CANSAÇO
Além do cansaço físico provocado pela correria do dia a dia, o esgotamento mental é um grande problema destes profissionais. Para Juliana, a pior parte do trabalho é lidar com a dor e a perda de pacientes. “É dolorido ver uma pessoa com falta de ar, pedindo pra você ajudar e você já fez tudo que poderia, mas não foi suficiente… a doença evolui e ela vai pra tubo, às vezes pega uma infecção e morre”.
O momento de intubação, inclusive, é um dos mais complicados para o profissional que muitas vezes está há dias junto da pessoa internada. “Eu não tô conseguindo apagar (dormir) porque aquele olhar do paciente que tá sendo intubado fica marcado na gente. Quando você intuba e o paciente é sedado, escorre a lágrima que ele estava segurando pra não chorar naquele momento”, revela.
Juliana acrescenta que a quantidade de pessoas que vem falecendo também a afeta. “Às vezes você chega a segurar a mão do paciente e fala que vai se reencontrar com ele, que ele vai descansar para poder sarar o pulmão e a gente vai se reencontrar, mas a pessoa não volta… a gente se apega pelo tempo de internação, estamos ali ao lado e criamos uma expectativa junto com o paciente de que ele vai melhorar”.
Estar em contato com os familiares dos pacientes gera angústia em Juliana. “A covid-19 é um elemento oportunista, às vezes a família faz chamada de vídeo e o paciente está bem, a gente está conseguindo reabilitar bem, mas no dia seguinte sofreu uma parada e foi a óbito. É muito confuso para a família”, explica, afirmando sempre se colocar no lugar das pessoas imaginando que poderia se tratar de alguém próximo dela.
Juliana já foi infectada duas vezes pelo Corona vírus. A primeira antes de trabalhar na UTI e a segunda já no meio hospitalar, após tomar a primeira dose da vacina. Os sintomas, conta, foram parecidos, mas mais leves na última infecção. Além da pressão sofrida diariamente, ela convive com o medo de novas reinfecções – um colega de trabalho, inclusive, está internado na UTI em estado crítico – e um médico já sugeriu que ela desse “um tempo”.
“Já chorei na frente do paciente, fui ao banheiro chorar, estou esgotada da situação, não de trabalhar em si, mas psicologicamente. Eu já peguei um atestado por exaustão, mas não pude usufruir porque se tivesse ficado em casa teria sobrecarregado colegas. A gente está com poucos profissionais, todo mundo esgotado. Há profissionais trabalhando em três lugares. Chegou um ponto em que eu estava tendo náuseas e vomitando sem motivo específico, sem causa física. Sim, eu estava muito exausta”, relata.
Para Juliana, se o ritmo continuar como está, os profissionais não aguentarão muito mais. “Acho que muita gente vai ficar muito traumatizada com tudo que está acontecendo neste ano. O ideal seria, além da vacina, a conscientização da população acerca da gravidade desse vírus. Tem gente que pega e fica tranquilo, mas fazem forma grave. Observo que dessa vez tem muita gente jovem, contaminada e que evolui para o turbo”.
Enquanto a “salvação” não vem, a rotina de Juliana tem sido passar longas horas em ambiente hospitalar e de lá para casa. A última vez que viu o pai foi no Natal. A mãe ela não encontra há seis meses. (Luciana Marschall)
Fonte: correiodecarajas.com.br
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