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A saga de Chapado, cavalo abandonado e ferido, adotado no interior de SP

Quando vê a água da mangueira jorrar em sua direção, Chapado breca as patas para se refrescar do calor de 33º C da tarde de sábado. O cavalo de pelagem clara se sacode inteiro, lançando pingos molhados à distância e deixando esvoaçarem sua crina e rabo mesclados de branco e caramelo, que ganham um tom dourado ao sol. Ele está no quintal gramado de 500 metros nos fundos da chácara onde mora, na cidade de Campo Limpo Paulista, e não nega a alegria do banho extra dado pelo dono, o estudante Enzo Picarelli Michelini, 13. Nem sempre a vida de Chapado foi boa assim. Antes de chegar a essas paragens e encontrar o aconchego numa família de humanos, foi entregue à própria sorte. Seus dias de abandono terminaram na manhã de 9 de dezembro de 2019. Por volta das dez da manhã, a DVZ (Divisão de Vigilância de Zoonoses) recebeu um chamado. Alguém tinha ligado para o telefone da Prefeitura de São Paulo – 156 – informando que havia um cavalo solto e sozinho na altura do número 100 da rua Chapada de Minas.

Os agentes da DVZ o encontraram perambulando pela via larga e arborizada. Além de magro e sujo, ele tinha uma fístula profunda, inchada e com bastante pus na pata direita traseira, um pouco abaixo da virilha. Sem saber o nome cavalo, a história e quanto tempo ficou vagando sem rumo, os funcionários o batizaram de Chapado. Inspirados, talvez, no nome da rua. Sem oferecer resistência, ele entrou no caminhão e seguiu viagem da zona sul à norte.

Logo, chegaram à Cosap (Coordenadoria de Saúde e Proteção ao Animal Doméstico), em Santana, para onde vão animais de fazenda como cavalos, bois, vacas, porcos, burros, cabras, bodes, ovelhas e coelhos, vítimas de maus-tratos ou recolhidos em vias públicas da capital. Ao preencher a ficha de Chapado, o veterinário de plantão calculou a idade dele pelos dentes. Tinha aproximadamente seis anos. A partir dali, até ser adotado ele ficaria ora na baia, ora num dos três piquetes. Recuperou rapidamente o peso. O problema era a fístula. Por trás dela, havia um corpo estranho. Disso os veterinários sabiam. Só que o raio-x e o ultrassom não o localizaram. “A gente pensou em fazer o procedimento cirúrgico, mas poderia afetar algumas estruturas muito importantes para o funcionamento da perna dele. Então optamos por manter o tratamento conservador”, conta Fernanda Cristina Dias Chaves, 27, veterinária da Cosap. Assustado devido aos sofrimentos do passado, Chapado vivia na defensiva e tentava fugir do tratamento, feito duas vezes por dia. Só ficava quieto no brete de contenção. Tomava antibióticos e anti-inflamatórios. Durante a lavagem da ferida e aplicação de substâncias irritantes e pomadas, reclamava batendo os cascos no chão. O pior era a dor, que precisava ser combatida com analgésicos. Os procedimentos até diminuíram a lesão, mas nada de fechá-la. Com o tempo, o cavalo foi se habituando a essa rotina. Tornou-se manso e dócil. Assim viveu durante sete meses.

Vida nova Desde os dois anos, Enzo pedia para os pais um cavalo de presente. A vontade era tanta, que à medida que foi crescendo ele começou a guardar dinheiro no cofrinho para comprar um. Como a família morava numa casa pequena e sem quintal, a ideia era fora de cogitação. Além do custo e dos cuidados que um animal grande exigia. Quando começaram a construir a chácara, o menino, então com 11 anos, fez uma pesquisa na internet e encontrou a COSAP. Correu para contar a novidade e amoleceu o coração da mãe, Mariana Picarelli Michelini, 40. Ela telefonou para a COSAP e descobriu que precisava preencher o cadastro GEDAVE (Gestão de Defesa Animal e Vegetal), apresentar registros e foto

da propriedade rural, providenciar a Guia de Trânsito Animal e morar fora do município de São Paulo. Só coelhos podiam ficar na capital. E as exigências não paravam por aí. Para a adoção do cavalo ser aprovada, os animais não podiam ser usados para fins de trabalho, montaria ou barriga de aluguel. Muito menos virar refeição. “A gente toma muito cuidado para ter certeza de que a família não vai usar esses animais. Porque com certeza no passado eles foram muito usados. Fazemos o máximo para eles irem para as mãos certas”, ressalta Fernanda. Ou seja, só podem ser adotados como pets. Como cumpria todos os requisitos, Mariana agendou uma visita para 26 de julho de 2020.

A família chegou por volta das 14h e conversou com a veterinária. Havia três éguas, uma em processo de adoção, e um cavalo. As fêmeas foram indiferentes e saíram de perto. Chapado, não. “A gente chegou e ele já veio no portão, abaixando a cabeça para receber carinho”, lembra Enzo. O caçula, Luca Picarelli Michelini, 4, aproximou-se e passou a mão no animal. O gesto ganhou o coração do irmão mais velho.

Informado sobre a ferida, o casal ficou preocupado. Outras pessoas haviam desistido de adotá-lo por esse motivo. Mas já era tarde. Enzo tinha encontrado o cavalo com o qual sempre sonhou. “Se vocês querem, eu assumo a tarefa de limpar o cavalo. Mas pensem direito”, falou Mariana. Oficializaram a adoção. Resgatado no bairro de Campo Limpo, na capital, Chapado ia morar na cidade de Campo Limpo Paulista. A coincidência era um sinal.

Depois do sofrimento, a cura Passados dois dias, Chapado pegou a estrada e viajou cerca de 70 km. Enzo não conseguia conter a ansiedade. “Qualquer caminhão que passava, eu achava que era ele”, lembra. Quando viu o veículo, gritou. “Opa, é aqui”. O cavalo não estranhou a chácara. Uma cocheira provisória de cerca de dois metros quadrados com uma cama de serragem estava à espera dele. Mas antes da noite chegar, passou horas brincando com as crianças. Mariana e o marido, Anderson Augusto Michelini, 40, já estavam craques em cuidar da fístula de Chapado quando ela escorregou da varanda e caiu no quintal. Quebrou o calcâneo e ficou três meses sem andar. Coube a Enzo e o pai cuidarem do cuidarem do animal por ela.

Como o menino não conseguia fazer o procedimento direito, a perna do cavalo começou a inchar. Chamaram o veterinário. Para drenar o pus, foi feita uma incisão na região do joelho — que melhorou com os antibióticos, mas de vez em quando, voltava a inchar. Recuperada, Mariana reassumiu a tarefa. Quando passava a mão para limpar a fístula, apalpava algo duro e com uma ponta preta, como uma casca de uma ferida. Decidiu jogar água com a mangueira e massagear o local. De repente, um pedaço de madeira de mais ou menos 10 centímetros pulou de dentro da perna do cavalo, pelo corte feito na região do joelho. Foi assim que Chapado sarou, ficando apenas com um buraco no lugar da antiga ferida.

Desde então, ele leva uma vida normal. Gosta de descer correndo a rampa de terra até o quintal, onde fica a cocheira. Na mesma velocidade, galopa até o terreno ao lado, que tem mil metros. Passa o dia inteiro comendo. Como prefere o capim dos pastos vizinhos, certa vez quebrou a cerca para matar a vontade. A barreira precisou ser reforçada e agora só vai lá com os donos. Também come ração, feno quando o tempo está seco e é chegado a cenouras e bananas, que são seus “chocolates”, segundo Mariana.

Travesso, Chapado gosta de rolar no chão depois de tomar banho. Fala com os donos pelo olhar e através das orelhas. Quando está bravo, as mantêm abaixadas ou bate os cascos no chão. Mas se está feliz, levanta as orelhas. Além da família, tem dois pastores alemães como companheiros: Zaira e Kalif (embora às vezes perca a paciência com Kalif, que late bastante). Nesse fim de tarde, ele dá uma canseira no fotógrafo do TAB para tirar retratos. Como um cachorro grande, acha que está brincando de pega-pega no pasto da chácara.

 

Fonte: uol.com.br



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