A operação Carro-Pipa, do governo federal, que leva água potável às famílias no semiárido nordestino há mais de 20 anos, teve os recursos cortados neste mês, levando os caminhões a pararem o fornecimento do produto a moradores do interior no Nordeste.
Segundo a planilha do Exército, que coordena a operação, 1,6 milhão de pessoas teriam direito ao abastecimento em novembro em oito estados do Nordeste, mas estão prejudicadas.
A coluna apurou que o primeiro estado a ter o abastecimento suspenso, logo no início do mês, foi Alagoas. Já em Pernambuco, Paraíba e Bahia, a paralisação foi informada apenas na quinzena final de novembro, assim como vem ocorrendo nos demais estados, com os caminhões deixando de prestar o serviço à população.
A operação Carro-Pipa é financiada com recursos do Exército Brasileiro em parceria com o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional). Ambos confirmaram à coluna que a suspensão ocorreu por falta de verbas para continuidade (veja mais abaixo). O MDR diz que alertou o Ministério da Economia sobre a falta de recursos, sem retorno.
O UOL teve acesso a um documento do 72º Batalhão de Infantaria Motorizado, com sede em Petrolina (PE), endereçado a Defesas Civis de municípios de Pernambuco e Bahia.
No documento do dia 14, assinado pelo coronel Paulo Francisco Matheus de Oliveira, o Exército informa que “o recebimento parcial de recursos financeiros para atender a execução do serviço será somente para até o dia 15 de novembro corrente”.
A suspensão, porém, pegou as Defesas Civis, pipeiros e moradores de surpresa. Pela regra, cada família tem direito a 20 litros de água por dia a cada integrante assistido. Ou seja, se a casa tem cinco moradores, são 100 litros diários. Eles já relatam prejuízos.
Orlando Vieira da Silva, 54, vive no sítio Boa Esperança, em Ouricuri (PE), e exerce a função de apontador (liderança local que ajuda a coordenar distribuição da água) da operação na comunidade. Ele diz que, das 30 famílias que vivem lá, apenas quatro conseguiram receber água recentemente e 26 estão completamente desabastecidas.
“A região está precisando de água. Não sei por que, justo nesse período mais seco —que vai de setembro até janeiro—, parou. É muito ruim para nós”, lamentou.
Só em Pernambuco são 529 mil moradores de 105 cidades que estão aptos para receber água da operação. Em Ouricuri, são 19 mil pessoas atendidas, o maior número de beneficiários do estado.
Em tom emocionado, Silva faz um pedido de ajuda para que a situação seja revista urgentemente.
Eu queria que o apelo chegasse ao governo e que eles vissem isso. A situação aqui está triste, as mães de família estão precisando de água, e nós não sabemos o que fazer. Eu queria que a pessoa que fosse responsável pela operação tomasse logo uma decisão. Ele não vai deixar o povo com sede.”
Em Poço das Trincheiras (AL), 6.800 famílias dependem desse abastecimento e também estão sem água neste mês. O casal Adinézio Teotônio Soares, 70, e Marlene Luiz Soares, 68, mora no povoado Quandu e tem apelado para água não apropriada para o consumo.
“Estamos sem nada e pegando de uma cisterna da minha vizinha. A gente comprou água de uma barragem que tem aqui, mas não é muito boa. Coloquei pedras de cloro para limpar e consumir”, explica Adinézio.
Aqui são umas 700 pessoas que precisam. Quase ninguém tem água na cisterna porque aqui é muito quente. Como as pessoas estavam acostumadas com o abastecimento, pensávamos que a água não ia terminar. As pessoas não souberam antes para economizar água.”
A situação gerou uma procura de prefeitos do Nordeste à CNM (Confederação Nacional dos Municípios), que cobra uma solução.
“Cada ano mais intensa e duradoura, a seca traz graves problemas aos municípios nordestinos e vem causando sérios desequilíbrios que afetam negativamente a qualidade de vida das comunidades concentradas no sertão e no semiárido brasileiro”, diz o ofício do dia 16 de novembro ao ministro Daniel de Oliveira Duarte Ferreira.
A CNM entende que sob hipótese alguma a OCP deve ser interrompida, adiada ou paralisada, haja vista que, a população é sempre quem sofre os piores impactos causados por este desastre e ressalta a necessidade de o MDR avaliar o orçamento do programa para o final de 2022, assim como para todo o ano de 2023, alinhado com as ações necessárias para que a OCP não seja interrompida em nenhum momento no próximo exercício.”
Fonte: g1.globo.com
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