A cidade de Salinópolis, ou Salinas, como é mais conhecida entre os paraenses, é um dos locais mais procurados pelos turistas do estado durante o mês de julho, quando as férias escolares coincidem com o verão no Pará. O balneário do nordeste do estado tem duas praias famosas, Atalaia e Farol Velho, que são conhecidas pela água salgada do oceano Atlântico e pela areia branquinha, onde circulam veranistas e… centenas de veículos.
Na faixa de areia de 20 km de extensão das praias de Salinas os carros são uma presença tão comum quanto os banhistas, guarda-sóis e vendedores ambulantes. Segundo um levantamento do Detran, no sábado de 15 de julho foram 28 mil veículos estacionados areia, o que gera uma situação incomum: a praia se transforma em uma via e, por conta disso, passa a ser regida pelo código nacional de trânsito.
Legalmente as praias de Salinas são consideradas terras de marinha e, portanto, patrimônio da União. O problema é que não há uma estrada lá para que o trânsito seja administrado pela Polícia Rodoviária Federal. Também não existe órgão de trânsito municipal, então a fiscalização dos motoristas fica a cargo do Detran.
“Já que a união permite a circulação, temos de nos fazer presentes. Como é aberta a circulação de veículos, a praia vira uma via pública com todas as regras de trânsito cabíveis: não podem dirigir menores de idade, condutores de motos precisam usar capacete… só que logicamente temos de respeitar as particularidades – não existe avanço de sinal, estacionamento. É algo complexo até pela natureza do solo, que é areia, e com o detalhe da água que sobe: toda via deixa de existir na maré alta, porque vira água. É bem peculiar o que vivemos lá”, explica Walter Aragão, coordenador de planejamento do Detran no Pará.
A influência da maré já causou prejuízos a motoristas: Na tarde do último domingo (24), uma caminhonete ficou atolada foi coberta pela água na praia do Atalaia. Homens do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar atuaram na retirada do veículo, que precisou do uso de uma retroescavadera.
“Acaba se tornando, em virtude de tantas outras atribuições, mais uma missão do bombeiro disponibilizar de tempo e efetivo para situações que são orientadas a não acontecerem”, disse a Major Monica Veloso, dos bombeiros.
Segundo a major, a maré ameaça sobretudo os motoristas que curtem som automotivo. “Deixam na praia com som excessivamente alto, e isso descarrega a bateria”, alerta Veloso, que dá outro conselho para os motoristas da praia: “Sempre atentar para a divulgação das tábuas de marés, que ficam em outdoor fixo na rua principal e em panfletos distribuídos nas férias”, afirma.
“Os bombeiros vem há anos oferecendo serviço de prevenção e orientação, e mesmo assim acaba acontecendo. Isso é de responsabilidade do veranista”, conclui a major Monica Veloso.
Outro problema causado pelos motoristas da praia está relacionado ao consumo de bebida alcoólica. Durante a operação realizada entre a noite de sexta-feira (21) e a madrugada de domingo (23) no trevo da rodovia PA-444 que liga as praias e a cidade foram registradas 14 ocorrências policiais por crime de condução sob influência de álcool, 31 infrações por direção alcoolizada e 15 por recusa do teste do bafômetro.
“Nos preocupa dentro da praia o sentimento das pessoas de que lá é liberado. Por isso a nossa preocupação, de dar o mínimo de organização. Sabemos que não é o ideal, que vai solucionar todos os problemas, mas é uma forma de coibir excessos como manobras perigosas, menores dirigindo e outras situações de risco, como a combinação de bebida e direção”, afirma Aragão.
A fiscalização destes motoristas é feito por um contingente de 85 agentes, que se dividem entre a praia, a rodovia e o trecho urbano. O quadro é pequeno mas, segundo o Detran, não há possibilidade de expandir o número. “O verão não é só Salinópolis”, disse Walter Argão.
O trabalho do Detran em Salinas já foi questionado judicialmente. O magistrado Antônio Carlos Moitta Koury proibiu, no dia 7 de julho, o órgão de fiscalizar os trechos urbanos da cidade atendendo a um mandado de segurança impetrado pela Associação Comercial e Empresarial e Câmara de Dirigentes Lojistas de Salinópolis. Segundo os lojistas, as ações do Detran causavam engarrafamentos, atrapalhando a atuação de comerciantes e impediam que clientes e turistas façam compras, prejudicando o comércio local.
O órgão recorreu e, no dia 12 de julho, a desembargadora Nadja Nara Cobra Meda derrubou a liminar, e o Detran retomou o trabalho. O intervalo de cinco dias entre a proibição e a derrubada da liminar foi suficiente para uma fatalidade: um ciclista morreu após ter sido atropelado na rodovia PA-124 na madrugada do dia 10 de julho por uma motorista supostamente embriagada, que havia saído de Salinas.
“É leviano falar que se estivéssemos lá não teria esse acidente, mas sem fiscalização a cidade fica a mercê da sua sorte”, conclui Walter Aragão.
Por conta destas ocorrências, a permanência e circulação de veículos nos balneários divide opiniões. O funcionário público Gustavo Lobato acredita que este diferencial chega a ser um atrativo para os turistas. “A entrada dos carros é um diferencial turístico da praia, o que te permite levar teu isopor, tuas cadeiras, os brinquedos das crianças, colocar tua música, levar tua avó de 90 anos”, disse.
O engenheiro mecânico Tiago Paolelli é apaixonado por carros, especialmente os antigos, mas defende que os veículos rodem longe da areia. “Apesar de ser amante de carros, sou contra a presença deles porque acho que a praia não comporta, não tem estrutura para dar segurança para os transeuntes e banhistas que aproveitam a praia, principalmente crianças que ficam muito vulneráveis”, explica.
Já Gustavo acredita que o problema se resume a educação. “Carros nas mãos de pessoas sem educação ou sem bom senso irão provocar acidentes seja na praia ou em qualquer lugar fora dela”, afirma. “Para manter o atrativo turístico, que é a fonte principal de renda da população local, o que falta é organização e forte presença dos órgãos de fiscalização, pra coibir poluição ambiental, trabalho infantil, crimes ao consumidor, crimes de trânsito, assaltos, furtos, afogamentos”, enumera o funcionário público.
Paolelli concorda com a necessidade de uma presença maior do estado. “Aqui no Pará o povo tem a cultura de que tudo é liberado, e o carro que deveria ser um instrumento facilitador de transporte acaba sendo perigoso. Parte disso é culpa do poder público, que há décadas vê Salinas como o principal balneário dos paraenses, e mesmo assim não elabora um projeto sério para impedir que os carros entrem na praia ao mesmo tempo que oferece uma infraestrutura que dê uma alternativa de acesso fácil e estacionamento”, conclui.
O governo do Pará informou que está elaborando um projeto para transformar a ilha do Atalaia, onde ficam as duas praias mostradas na reportagem, dentro do município de Salinópolis, em um Monumento Natural – um tipo de Unidade de Conservação onde são desenvolvidas atividades ligadas a pesquisa acadêmica e turismo sustentável.
Segundo o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio), o projeto contempla uma área de 250 hectares que vai do segundo acesso da praia até a região do cocal, protegendo lagos, dunas, a vegetação rasteira e parte do manguezal, mas sem incluir as praias – o limite do Monumento Natural são os bares que atendem aos visitantes da orla atlântica das praias do Farol e Atalaia.
“Nós ficamos responsáveis por criar o Monumento Natural do atalaia, uma unidade de conservação estadual na categoria de manejo Monumento Natural, para conservar os ecossistemas com proteção integral, mas o monumento natural se limita até onde funcionam os bares”, disse Crisomar Lobato, o Diretor de Gestão da Biodiversidade do Ideflor. “A praia é de competência do Serviço de Patrimônio da União”, explica.
O G1 entrou em contato diversas vezes com a Gerência do Patrimônio da União no Pará, em dois dias diferentes, porém o superintendente não atendeu a reportagem para responder aos questionamentos sobre Salinópolis.
A tramitação para a criação do Monumento Natural está avançada. Segundo o Ideflor, já foram realizados estudos e consulta pública, onde o projeto foi aprovado, e os dados foram encaminhados para a Procuradoria Geral do Estado, que devolveu para o Ideflor solicitando uma documentação complementar. Com o parecer jurídico positivo da PGE, a proposta segue para o governador, onde pode ser aprovada ou recusada.
Lobato acredita que, se aprovado em 2017, a reserva seja implantada em 2018 – permitindo que pelo menos parte do Atalaia tenha sua natureza preservada. “Não é só Monumento Natural que vai resolver. O monumento está dentro de um contexto maior que inclui estrutura, saneamento básico, abastecimento de água potável e proteção dos ecossistemas”, conclui.
Fonte: G1
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