“Temos muitas crianças com sintomas de depressão e ansiedade. Uma aluna chegou a desmaiar na escola e várias vezes a criança sai no meio da aula, no meio da prova, não conseguindo respirar, fica lá chorando, tremendo.
Estamos com muita criança com crise de ansiedade — a gente acha, né, porque não podemos diagnosticar ninguém. Mas acredito que é decorrente de tudo que aconteceu na pandemia.
A gente conversa com a criança, fala com a família e fica de dar encaminhamento para o psicólogo. Mas depois de um tempo perguntamos, ‘E aí, você está indo [ao psicólogo]?’ e eles falam ‘Fui uma vez, mas não teve mais nada.’ Eles fazem o atendimento inicial, mas não conseguem acompanhamento com o psicólogo no postinho.
Encaminhamos uma criança que sofreu estupro quando mais nova e a UBS [Unidade Básica de Saúde] respondeu com um documento falando que ela necessita de encaminhamento à psicologia. Mas fala também que eles estão sem psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família na unidade e que ela não se enquadra no perfil do Caps IJ [Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil].
Eles dizem que estão sem previsão de contratar novo profissional, entregando à família uma lista de serviços de psicoterapia gratuita ou a preço social. Mas isso é completamente irreal para essa comunidade, porque as famílias não têm dinheiro nem para a passagem. Tem um monte de famílias realmente passando fome. A gente vê alunos pedindo dinheiro no farol.”
O relato é de uma professora da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Solano Trindade, no Jardim Boa Vista, zona oeste de São Paulo, que optou pelo anonimato.
O quadro descrito por ela está longe de ser um caso isolado.
Um mapeamento feito pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, divulgado em abril deste ano, identificou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relatam ter sintomas ligados à depressão e ansiedade.
A pesquisa também indicou que 5,7% dos estudantes relatam presenciar violência psicológica com muita frequência e outros 3,8% afirmam presenciar violência física em casa com muita frequência.
Mas as demandas relacionadas ao bem-estar psicológico dos alunos não se resumem a essas.
“Estou com seis alunas que acham que são trans [transexuais, pessoas cuja identidade de gênero é diferente de seu sexo biológico] e temos relatos de abusos sexuais sofridos pelas crianças”, conta a professora, sobre questões relacionadas a sexualidade e gênero que surgem no cotidiano escolar e que demandariam acompanhamento qualificado.
Ela conta do sentimento de frustração e impotência diante da impossibilidade de encaminhar os alunos para atendimento adequado.
“Eu me sinto bem desesperada, com uma sensação de impotência, sobrecarregada e despreparada”, desabafa.
“Porque é isso: se a única coisa que eles têm sou eu, eu queria conseguir oferecer uma coisa melhor a eles, mas eu não sei como devo agir em algumas situações, então me sinto mal. É horrível uma criança te procurar com uma situação grave como violência e você não fazer nada, porque parece que a escola, enquanto instituição, está aceitando aquela situação”, lamenta a professora.
“Isso me deixa muito mal. Nas férias, eu estava sonhando com essas crianças.”
Fonte: g1.globo.com
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