Mais de R$ 71,5 milhões, em valores atualizados, foram pagos pela Prefeitura de Ananindeua, entre 2021 e o último dia 25, ao Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertence ou pertenceu ao prefeito da cidade, Daniel Barbosa Santos. As informações foram extraídas do portal da Transparência pelo DIÁRIO, que fez a atualização monetária com base no IPCA de janeiro deste ano.
O dinheiro foi repassado à prefeitura pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para pagamento do contrato que ela mantém com o hospital. Como Ananindeua possui “gestão plena” na área da saúde, é a Prefeitura, comandada pelo dono ou ex-dono do Santa Maria, quem recebe as informações sobre os serviços que o hospital diz ter realizado, e as envia ao Ministério da Saúde, para justificar os pagamentos.
A fartura de recursos do Santa Maria é o oposto da escassez em outros hospitais da cidade. Dois deles teriam sofrido tentativas de calotes milionários, pela prefeitura: o Camilo Salgado e o Anita Gerosa. Como você leu no DIÁRIO, Daniel Santos desapropriou o Camilo Salgado, em 2021, para construir o “primeiro hospital público” da cidade. A indenização pela desapropriação foi acertada em R$ 14 milhões e deveria ser quitada em 2022. Mas, até hoje, a prefeitura ainda deve R$ 4 milhões aos proprietários do hospital.
Com isso, eles entraram na Justiça, pedindo a devolução do imóvel, o pagamento da dívida de R$ 4,335 milhões (atualizada e com juros) e uma indenização de R$ 1 milhão, por danos morais. Segundo eles, os constantes atrasos nos pagamentos, que acabaram até suspensos em dezembro passado, impediram que reabrissem o hospital em outro local. Se forem vitoriosos, poderá haver um prejuízo de R$ 2 milhões aos cofres públicos, já que, além da indenização, a prefeitura terá de pagar as despesas do processo e os advogados que atuam no caso.
Ainda mais grave, porém, é o paradeiro desconhecido de até R$ 29,5 milhões que a prefeitura recebeu do SUS, para o pagamento de leitos de UTI e de urgência e emergência do Camilo Salgado, entre 2021 e 2023. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), a prefeitura pediu esse dinheiro ao Ministério da Saúde, apesar de o Camilo Salgado não prestar serviços ao SUS desde 2021: não há relatórios de serviços do hospital, no sistema informático do SUS, o Datasus, desde aquele ano.
No portal municipal da Transparência, o DIÁRIO não encontrou pagamentos recentes e de grande valor pela Prefeitura, com dinheiro do SUS, para aquele hospital, que se encontra até fechado. Entre 2021 e 2023, diz o portal, a prefeitura pagou ao Camilo Salgado apenas R$ 177.787,35, por serviços ambulatoriais e hospitalares. Todos os demais pagamentos foram pela desapropriação do hospital.
Calotes também atingem o Anita Gerosa, que é até um hospital sem fins lucrativos (filantrópico), mantido pela Sociedade Beneficente São Camilo, sediada no estado de São Paulo. A dívida da prefeitura com o Anita Gerosa já alcança quase R$ 3,7 milhões, por serviços realizados no ano passado (janeiro a junho e outubro a dezembro), e neste ano (janeiro a março).
O hospital possui 64 leitos e atende as áreas de obstetrícia, clínica médica, serviços de diagnóstico ambulatorial e Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), através de um convênio com a prefeitura. Há preocupação de que a dívida leve à suspensão do atendimento. Mas, em nota, o hospital, preferiu um tom cauteloso: disse que realiza esforços para manter o atendimento e que está aberto ao diálogo, “para que a situação seja normalizada no menor prazo possível”.
Os R$ 71,5 milhões pagos ao Hospital Santa Maria de Ananindeua, desde 2021, dizem respeito a um contrato firmado com a prefeitura, em 2019. Na época, Daniel Santos era deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), além de sócio do Santa Maria. Não houve licitação para o contrato, mas apenas uma “chamada pública”, que é a maneira como, em geral, são contratadas as empresas de Saúde, para serviços à população.
Por coincidência, foi a época em que o Santa Maria deu um salto espetacular. Até então, funcionava em um prédio velho e acanhado. Já em 2019, inaugurou um prédio espelhado de vários andares. Naquele ano, o contrato com a prefeitura rendeu ao hospital mais de R$ 22,779 milhões, em valores atualizados. Um ganho que alcançou, no ano passado, quase R$ 27 milhões – um aumento de 18,5%, já descontada a inflação.
Ainda não se sabe, porém, quanto a prefeitura repassou ao Santa Maria no ano eleitoral de 2020, quando Daniel se elegeu prefeito da cidade: nem com reza forte se consegue obter esses números, no portal da Transparência. Mas, no portal, também não há pagamentos ao hospital anteriores a 2019. O que indica a probabilidade de que a maioria do dinheiro que recebeu tenha ocorrido, mesmo, na administração de Daniel.
O Santa Maria (CNPJ 17.454.167/0001-25) foi registrado na Junta Comercial do Pará (Jucepa) em janeiro de 2013, pouco depois da primeira eleição de Daniel, como vereador. A empresa possuía um capital social de apenas R$ 60 mil (cerca de R$ 108 mil hoje). No ano seguinte, 2014, tinha apenas 31 funcionários, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). As suas máquinas e equipamentos somavam apenas R$ 170 mil (R$ 287 mil hoje). E o seu lucro foi de pouco mais de R$ 940 mil atualizados.
Dois anos depois, em 2016, já possuía equipamentos valendo R$ 617 mil, em valores de hoje, e um lucro atualizado superior a R$ 1,8 milhão. Mas é o balanço contábil de 2019 que revela um salto extraordinário: mais de 13,4 milhões em equipamentos, em valores de hoje, e um lucro atualizado de quase R$ 18,6 milhões. Agora, o Santa Maria se prepara para inaugurar um prédio ainda maior, colado ao inaugurado em 2019.
Quando foi criado, em janeiro de 2013, o Santa Maria possuía 3 sócios declarados: a comerciante Geciara dos Santos Barbosa e os médicos Jorge Sidney Pinheiro de Moraes e Elton dos Anjos Brandão, o administrador do negócio. Mas, ainda em julho daquele ano, Jorge deixou a empresa. Em agosto de 2014, Geciara fez o mesmo, repassando o seu capital a Daniel. Assim, ele e Elton Brandão se tornaram os únicos donos do hospital, com capitais iguais, mas com a administração sob o comando de Elton.
Os dois permaneceram como os únicos sócios da empresa até pelo menos meados de 2021. Mas, no site da Receita Federal, o hospital hoje se chama “Associação Hospital Santa Maria de Ananindeua”. Ele trocou de natureza jurídica: era uma sociedade limitada e se tornou uma associação privada, presidida por Elton. Não há mais menção a Daniel, o que é muito comum nesse tipo de alteração empresarial, que possibilita o “sumiço” de proprietários. A mudança teria ocorrido em novembro do ano passado, às vésperas deste ano eleitoral, quando Daniel tentará a reeleição.
A sociedade entre Daniel Santos e Elton Brandão, no Hospital Santa Maria, possui contornos curiosos. Segundo o CNES, aquele hospital foi praticamente a única unidade de Saúde onde Daniel trabalhou, ao longo da sua carreira como médico. E foi apenas como médico que sempre figurou no CNES. Afinal, a Lei proíbe que políticos eleitos e servidores públicos administrem empresas.
Já Elton Brandão teve de “se virar nos 30” entre vários hospitais, apesar de figurar como administrador do Santa Maria. O que, em tese, exigiria a sua presença cotidiana naquele hospital. Seu primeiro registro, no CNES, é de julho de 2007, ainda como técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem, nos hospitais Humberto Maradei e Barros Barreto, em Belém. O primeiro registro, como médico, só ocorreu em fevereiro de 2008, no hospital Santa Rosa, no município de Abaetetuba.
A partir de então, ele trabalhou, como médico, nos municípios de Ananindeua, Paragominas, Vigia e Quatipuru, e até no estado do Maranhão. E continuou nessa maratona mesmo depois de virar administrador do Santa Maria: trabalhou lá como médico clínico, e em uma filial do hospital, em Marituba. E, ainda, na UPA II da Prefeitura de Ananindeua, até dezembro de 2017. Mesmo assim, ainda aceitou, novamente, um trabalho no Maranhão.
Já Daniel teve uma vida bem menos atribulada. Segundo o CNES, ele começou a trabalhar como médico do Programa Saúde da Família, em janeiro de 2012, no município de Concórdia do Pará, onde permaneceu trabalhando até janeiro de 2013, apesar de estar às voltas, em 2012, com a sua campanha eleitoral para vereador de Ananindeua, que fica a 130 km, ou 2 horas de carro, de Concórdia do Pará. E, em Concórdia, a sua carga de trabalho era de 40 horas semanais.
No entanto, depois desse corre-corre inicial e já eleito vereador, Daniel só reapareceu no CNES em julho de 2013, já como médico clínico, ginecologista e obstetra do Santa Maria, que acabara de ser inaugurado, e do qual viria a se tornar um dos donos, em agosto do ano seguinte. Não consta, no CNES, que ele tenha exercido a Medicina em algum outro hospital. E do Santa Maria ele só se afastou, como médico, em julho do ano passado, diz o CNES.
Os pagamentos da Prefeitura ao Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertence (ou pertenceu) ao prefeito
2021
Valor da época:
R$ 14.543.136,51
Valos atualizado:
R$ 16.280.956,97
2022
Valor da época:
R$ 22.583.890,55
Valor atualizado:
R$ 23.873.859,79
2023
Valor da época:
R$ 26.718.403,17
Valor atualizado:
R$ 26.980.871,40
2024
Até 25/04: R$ 4.381.804,19
TOTAL
Valor da época:
R$ 68.227.234,42
Valor atualizado:
R$ 71.517.492,35
Fonte: www.dol.com.br
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