Tratar a dependência por cigarros eletrônicos já virou rotina para a cardiologista Jaqueline Scholz. “Cada vez mais recebo no meu consultório jovens de 16 a 24 anos que usam esse produto e têm uma taxa de nicotina no organismo equivalente ao consumo de mais de 20 cigarros por dia”, calcula.
Para ter ideia, o fumante brasileiro consome em média 17 cigarros “convencionais” por dia, segundo um levantamento do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Diretora do Ambulatório de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (InCor), a médica mostra-se preocupada com o apelo desses dispositivos, especialmente entre os adolescentes e os adultos jovens.
Um levantamento publicado neste ano mostrou que quase um em cada cinco brasileiros de 18 a 24 anos usaram o cigarro eletrônico pelo menos uma vez na vida, mesmo que a comercialização desse produto seja proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Nosso país tinha uma taxa de iniciação do tabagismo muito baixa entre adolescentes, mas vemos que essa política está em risco agora”, analisa Scholz, que também é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
“Se não cuidarmos desse problema agora, o uso desses dispositivos tem tudo para virar uma epidemia em breve”, complementa.
Em entrevista à BBC News Brasil, a especialista listou todos os riscos e controvérsias do uso do cigarro eletrônico e o impacto que isso pode ter na saúde.
Scholz aponta que, desde o surgimento das primeiras versões há cerca de 20 anos, esses aparelhos sempre se promoveram com base no argumento de que seriam menos danosos à saúde.
“Ainda se diz que, por não ter combustão e não produzir fumaça, esses dispositivos seriam supostamente mais seguros”, contextualiza.
A cardiologista lembra que essas informações serviram de base para vender o cigarro eletrônico em muitos países como uma espécie de “redução de danos”, ou um tratamento para indivíduos que desejavam parar de fumar.
A grande questão, argumenta ela, é que não existem estudos científicos suficientes para dar suporte a tais afirmações — e toda a publicidade relacionada a esses produtos parece estar mais voltada a conquistar novos usuários (especialmente os jovens), e praticamente ignora esse possível viés terapêutico.
“Vários países, como o próprio Reino Unido, aceitaram esse argumento e liberaram os cigarros eletrônicos. O que aconteceu nesses lugares foi um aumento da prevalência de fumantes”, observa Scholz.
Para a médica, não faz sentido ver o cigarro eletrônico como um tratamento médico e deixá-lo apenas na mão das pessoas, para que elas decidam quando e como usá-lo. “Se o propósito desse produto fosse terapêutico mesmo, ele não poderia ser vendido em qualquer lugar, como acontece agora.”
“Ele teria que ser prescrito após uma avaliação médica, em que o profissional concluiria que o paciente não consegue parar de fumar com os outros métodos que temos a oferecer. A partir daí, seria possível indicar a dosagem e o uso correto dessa substância”, complementa.
A médica diz com conhecimento de causa: ela lidera um dos mais bem sucedidos ambulatórios de tratamento do tabagismo do país. Ao aliar medicamentos, mudanças comportamentais e acompanhamento, ela consegue que até 70% dos pacientes larguem o vício.
Scholz aponta que, além de não cumprir as promessas terapêuticas, o cigarro eletrônico pode seguir pelo caminho contrário e fazer mal à saúde.
A médica chama a atenção para três dos principais ingredientes que aparecem nesses dispositivos: o propilenoglicol, a nicotina e as substâncias aromáticas.
O propilenoglicol funciona como uma espécie de veículo, capaz de diluir e carregar a nicotina pelo nosso organismo.
A nicotina, por sua vez, é uma substância psicoativa encontrada originalmente no tabaco, que provoca uma dependência muito forte.
Durante o uso do cigarro eletrônico, ela é tragada pela boca, passa pelos pulmões, cai na corrente sanguínea e vai parar no cérebro, onde provoca uma sensação momentânea de bem-estar.
Fonte: g1.globo.com
Divulgar sua notícia, cadastre aqui!