Primeiro grupo paramilitar se formou em Rio das Pedras, na Zona Oeste, no fim dos anos 80. Em 16 anos, as milícias quase quintuplicaram seus territórios e são hoje o maior grupo criminoso do estado.
A milícia que incendiou 35 ônibus e um vagão de trem em represália à morte de um de seus chefes é bem diferente da que surgiu há 40 anos.
O primeiro grupo paramilitar se formou em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no fim dos anos 80. Carregava o mote de “proteger” o cidadão da ofensiva do tráfico de drogas — tanto que o consumo de entorpecentes era proibido. Mais a oeste, nascia na década de 2000 a Liga da Justiça, em moldes semelhantes aos de Rio das Pedras.
Hoje, ex-rivais são aliados e impõem narcomilícias em diferentes regiões. As parcerias também visam à disputa de territórios, que invariavelmente leva a tiroteios, deixando comunidades inteiras acuadas.
Praticamente não há mais diferença entre o jugo de milicianos e o de traficantes. Todos cobram taxas, controlam serviços, lucram com venda de drogas e mantêm um regime de medo por onde passam.
1. Quando as milícias e as facções do tráfico surgiram
TRÁFICO
O tráfico começou a se estruturar no Rio de Janeiro a partir do final da década de 1970, expandiu-se nos anos 80 e passou a travar disputas entre si nos anos 90.
Há 50 anos, a cidade virou um ponto na rota de distribuição da cocaína para a Europa. Na mesma época, surgiram, dentro de presídios, as facções criminosas. Um grupo de detentos comuns se uniu a presos políticos para combater um bando que dominava as cadeias e que chegava a cobrar pedágio pela “segurança” nas celas.
Os assaltantes comuns aprenderam as técnicas de organização e guerrilha dos militantes políticos e descobriram que as drogas eram mais lucrativas que assaltos.
Rachas e desavenças levaram à criação das facções, fortemente hierarquizadas e com chefias bem definidas.
MILÍCIA
Na década de 1960, existiam as polícias mineiras, um embrião do que 30 anos mais tarde seriam as milícias.
A partir dos anos 2000, policiais e ex-policiais corruptos passaram a “oferecer segurança” nas comunidades sob o pretexto de “resguardar” os moradores do tráfico, a quem se opunham com muita violência.
A “taxa de proteção” era apenas uma forma de exploração. Paramilitares passaram a impor o monopólio de serviços de internet clandestina e de distribuição de água e de gás, sobre os quais incidem ágio. Motoristas de vans também foram obrigados a pagar pedágios.
2. Os vários lados de uma guerra
Segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados no Rio de Janeiro, um estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), os maiores são:
Comando Vermelho (CV). Mais poderosa facção do tráfico do RJ, com ramificações pelo Brasil, domina vastas áreas nas zonas Sul e Norte — como a Rocinha, o Complexo do Alemão e a Cidade de Deus. Sob seu jugo estavam 2 milhões de fluminenses, segundo o Geni/UFF, com dados de 2022.
Terceiro Comando Puro (TCP). Dissidência do extinto Terceiro Comando — de oposição ao CV —, tornou-se o segundo maior grupo de traficantes do RJ, diz o Geni/UFF. Entre as maiores bases estão o Complexo de Israel, em Cordovil, e o Complexo da Maré. Há uma parceria com a milícia justamente para tentar fazer frente ao CV.
Amigos dos Amigos (ADA). Facção do tráfico em declínio, atualmente não está envolvida em disputas.
Milícias. Pulverizadas pela Zona Oeste e com chefias descentralizadas, conviveram nos primeiros anos respeitando um pacto de não agressão. Grosso modo, há dois núcleos: um na Grande Jacarepaguá, outro na Grande Campo Grande — que acabou ae expandindo para a Baixada Fluminense. A milícia de Jacarepaguá se aliou ao TCP para fazer frente ao CV, que tem conseguido tomar áreas desses paramilitares. Já a milícia de Campo Grande estava se aproximando do Comando Vermelho.
3. Quem era Faustão na hierarquia da milícia
Matheus da Silva Rezende, de 25 anos, o Faustão, era sobrinho de três chefes da maior milícia do RJ e, ao contrário dos tios, vinha estreitando relações com o Comando Vermelho. Seus superiores não permitiam a venda de drogas nas áreas dominadas.
Atualmente comandada por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, — um dos 3 tios de Faustão —, a maior milícia da Zona Oeste é resultado de uma forte política expansionista que teve início quando a família Braga assumiu o comando da Liga da Justiça e refundou o grupo paramilitar.
A Liga da Justiça surgiu em Campo Grande, na Zona Oeste, no final dos anos 1990. A milícia — fundada pelos agentes da Polícia Civil Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, ex-vereador do Rio assassinado a tiros em 2022, e o ex-deputado Natalino José Guimarães —, começou atuando de forma concentrada, com foco na exploração de transporte clandestino e intermediações de ocupações urbanas.
Jerominho foi preso em 2007, e Natalino, em 2008, quando a chefia da Liga da Justiça era compartilhada com outros três criminosos — Ricardo Teixeira Cruz, o Batman, preso em 2009; Toni Ângelo de Souza Aguiar, preso em 2013, e Marcos José de Lima, o Gão, preso em 2014. Todos eram policiais militares.
Com as prisões, Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, ex-traficante que ganhou prestígio entre os integrantes do grupo paramilitar, assumiu o comando da nova milícia.
Tratava-se da primeira mudança significativa verificada no grupo: pela primeira vez, a liderança não era envolvida diretamente com a estrutura policial.
Os ex-PMs, que chefiavam a milícia e estavam presos, não concordavam com um traficante à frente do grupo. Carlinhos Três Pontes resolveu isso com violência: em menos de um mês, 5 chefes das milícias foram mortos ou desapareceram.
Segundo os investigadores, Carlinhos Três Pontes foi quem iniciou o processo de expansão da atuação da milícia no estado e intensificou a parceria com o tráfico de drogas.
Ao contrário da Liga da Justiça, que se concentrava em pequenos bairros da Zona Oeste, a Firma, de Três Pontes, se expandiu para a Baixada Fluminense, Itaguaí e Seropédica, cidades da Região Metropolitana do RJ, entre 2014 e 2017.
No entanto, Carlinhos Três Pontes foi morto em 2017 durante uma operação policial contra a milícia. A chefia do grupo passou então para as mãos de Wellington da Silva Braga, o Ecko, um dos irmãos. O grupo foi rebatizado de Bonde do Ecko.
Foi ele que decidiu fazer alianças com outras milícias. Com mão de ferro, Wellington Braga comandou o grupo paramilitar entre 2017 e 2021 e expandiu seu domínio para diversos bairros e municípios do RJ — novamente em oposição ao tráfico.
No entanto, em junho de 2021, Ecko também morreu em decorrência de uma operação policial para prendê-lo. A maior milícia do RJ passou então a ser comandada por outro integrante da família: Zinho, irmão de Ecko e Três Pontes. Ele continua foragido apesar da operação desta segunda (23).
Entretanto, com a morte de Ecko, o Bonde rachou e houve uma intensa disputa por territórios entre os bandos de Zinho e de Danilo Dias Lima, o Tandera, ex-braço direito de Ecko. Com a rivalidade, houve uma escalada da violência nas ações da milícia em todo o estado.
4. O panorama do crime organizado no RJ
De acordo com o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), em um período de 16 anos, as milícias quase quintuplicaram seus territórios e são hoje o maior grupo criminoso do estado. As áreas sob domínio de grupos paramilitares aumentaram 387,3% entre os anos de 2006 e 2021.
Segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados do RJ, ao menos 4,4 milhões de pessoas moram hoje em áreas controladas por grupos criminosos [milícia e tráfico] no Grande Rio — contingente 65% maior do que em 2006.
Ainda de acordo com o documento, os milicianos controlam hoje 256 km², metade dos 510 km² dominados pelo crime organizado na Região Metropolitana do Rio.
O crescimento das milícias não foi com a expulsão traficantes de áreas controladas por eles. O levantamento aponta que ao menos 90% da expansão territorial dos grupos paramilitares se deu em localidades que não eram dominadas por nenhum grupo criminoso anteriormente.
Investigações apontam que, em algumas localidades, milicianos arrendaram pontos para traficantes da facção aliada montarem bocas de fumo. Por sua vez, traficantes têm adotado o modelo de exploração dos paramilitares, como cobrança de taxas e imposição de monopólios.
Fonte: www.g1.globo.com
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