A morte do escrivão da Polícia Civil, José Raimundo Oliveira Rodrigues, ocorrida dentro da Delegacia de Itupiranga neste final de semana, expõe a fragilidade da instituição no tratamento com os servidores, segundo aponta o diretor regional do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado do Pará (Sindipol) em Marabá, investigador Sergio Antônio Marques Peixoto.
Testemunhas apontam que o escrivão cometeu suicídio. Ele estava trabalhando no início da madrugada de domingo (30), quando se afastou da sala onde realizava um procedimento, na presença de policiais militares, e efetuou um disparo à altura do queixo e outro no peito, no cartório da delegacia. As pessoas que estavam no local chegaram a tentar socorrê-lo, mas ele morreu ainda dentro do prédio.
O superintendente de Polícia Civil do Sudeste do Pará, delegado Marcel Delgado, informou ao Correio de Carajás na tarde de segunda-feira (31), que foi instaurado inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte. Declarou, ainda, que uma equipe de Marabá esteve no local logo após o fato, assim como do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves. O corpo foi removido para o Instituto Médico Legal e em seguida trasladado para Igarapé-Miri, onde foi sepultado ontem (31).
Peixoto, do Sindpol, informou em entrevista também na tarde de ontem (31) que o sindicato irá aguardar a finalização das investigações, ressaltando que há depoimento apontando para um possível suicídio e que os familiares da vítima estão recebendo assistência da instituição e do sindicato, mas ressaltou que independente de motivos pessoais que tenham levado o colega a cometer suicídio, as condições de trabalho podem ter influenciado no quadro.
“Um dos grandes problemas hoje na Polícia Civil e que está tornando o trabalho cada vez mais extenuante para todos os policiais é a carga excessiva, a falta de pessoal, principalmente no interior do estado. Para ter ideia, no interior do estado a maior parte das delegacias funciona com um único escrivão e às vezes até sem ele. O escrivão é o responsável por 70% de toda atividade administrativa da delegacia, recebe e emite documento, lavra boletim de ocorrência, toma termo de depoimento e prepara toda a parte de processo, a peça inicial. Hoje para a maior parte dos escrivães de polícia a carga de trabalho é imensa. Um escrivão faz o trabalho de expediente, cobre plantão e ainda tem que fazer o trabalho do cartorário”, explica.
Conforme ele, a culpa dessa situação é da falta de efetivo. “A polícia está ficando com efetivo menor que o necessário, carga de trabalho maior que o suportável e o estado, em relação ao governo e à administração da instituição, não está olhando para este detalhe. Nossa realidade é falta de pessoal, sobrecarga de trabalho, estresse. A comunidade também está estressada e cobra providência imediata, ninguém vem tranquilo a uma delegacia. Todo mundo está querendo resultado imediato e isso cai em cima do escrivão. Ele tem que lidar com diversas situações”.
Peixoto afirma que o escrivão vinha solicitando transferência do local em que estava trabalhando “porque ele já não estava mais conseguindo responder ao estresse que estava tendo”, mas não foi realocado. “Infelizmente, a nossa administração não está muito sensível a isso. Temos uma Diretoria de Atendimento a Servidor que não está fazendo o papel dela adequadamente, ou seja, tentando identificar qual servidor está com problema e precisa talvez ser afastado ou receber apoio social e psicológico”.
O fato de os policiais terem acesso a armas torna o quadro muito mais preocupante, alerta. “O colega se matou com uma arma do estado, o servidor policial anda legítima e legalmente armado, se ele se estressa essa arma pode ser instrumento para cometer um crime contra alguém ou um suicídio, como é o caso. Estamos perdendo muitos colegas para o excesso de trabalho. Só neste ano foram cinco servidores, por infarto, suicídio…”.
Ele diz que o sindicato pretende mapear quantos servidores atualmente sofrem com depressão e problemas ligados ao consumo de álcool ou drogas. “Existe colega nosso envolvido nestas situações e a gente, quando detecta, procura encaminhar. Dentro do Sindicato vamos tentar mapear esses colegas para tentar – junto da diretoria – fazer um trabalho para retirar os colegas destas situações. Se o colega tivesse sido afastado do trabalho, talvez a gente não o tivesse perdido. Não estou colocando a culpa na instituição Polícia Civil, estou colocando a culpa em todos nós, também policiais, às vezes estamos vendo o colega com problema e não paramos para encaminhá-lo para alguém”.
Em relação à carga excessiva de trabalho, ele destaca uma medida do governo estadual para tapar buracos que acaba fatigando os servidores. “O governo incentiva o trabalhador a tirar plantão remunerado, ou seja, na hora de folga ele voltar ao trabalho. Isso está gerando um problema: servidores estressados no dia a dia. O governo faz isso em vez de tentar aumentar o efetivo”.
Segundo o Sindpol, o último levantamento apontou haver apenas 2.917 servidores atuando em todo o Estado do Pará. São 585 delegados, 557 escrivães, 137 investigadores, 154 motoristas, 59 auxiliares técnicos, 188 papiloscopistas e nove peritos.
POSICIONAMENTO
O Correio de Carajás solicitou à assessoria de comunicação da Polícia Civil posicionamento acerca das declarações do sindicato, mas até o momento não houve resposta. Em nota divulgada mais cedo, a Polícia Civil lamentou o falecimento do escrivão e informou que a instituição, por meio da Diretoria de Atendimento a Servidor, está prestando todo apoio aos familiares com acompanhamento de assistente social, psicólogas e psiquiatra. “A Polícia Civil externaliza suas condolências a todos os familiares, amigos e colaboradores de trabalho, e roga a Deus para que fortaleça a todos neste momento difícil”, diz o texto.
DESABAFO
Por diversos grupos de WhatsApp circulou ontem (31) uma mensagem atribuída a um colega do escrivão morto, que seria investigador lotado na mesma delegacia. Ele afirma que o escrivão não estava sozinho no momento do ocorrido. Havia no local, conforme o relato, dois investigadores, um vigilante e uma guarnição da PM.
Ele alega que o escrivão não tinha “apenas” problemas relacionados à insatisfação profissional, mas também de cunho psiquiátrico, tendo sido encontrados dois remédios controlados no armário pessoal do escrivão, no alojamento. Em um trecho, ele diz que “não têm sido fácil lidar com tudo isso e entrar num cartório com cheiro de sangue e resquícios de massa encefálica”. Finaliza afirmando que não é o momento de discórdia entre classes, mas sim de união, força e solidariedade. (Luciana Marschall com informações de Evangelista Rocha)
Fonte: Correio de Carajás
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