Havia uma árvore no meio do caminho. No meio do caminho havia uma árvore. A paráfrase de Carlos Drummond de Andrade sintetiza, poeticamente, uma tragédia que ocorreu há exatos três décadas em Marabá. Um jovem jogador de futebol estava com o passaporte pronto para a viagem à Itália, onde se apresentaria à Lázio, um dos principais times romanos na década de 1990. Antes, tinha alcançado sucesso como centroavante do Clube do Remo, em Belém, o que o gabaritou a jogar no exterior.
Pouco antes da viagem internacional, porém, veio a Marabá tomar a bênção dos pais e despedir-se dos demais familiares.
O nome dele era José Gledston Pompeu Júnior. À época, tinha 22 anos de idade e muitos sonhos à frente. Todos foram esmagados por volta de 16 horas daquele 9 de abril, uma terça-feira. Dois dias antes, o rapaz tinha ido com o pai, José Gledston Pompeu da Rocha, à fazenda Jussaral, na PA-70, acompanhar o corte seletivo de madeiras, já que estudava na agronomia na Faculdade de Ciências Agrárias do Pará.
O Jornal CORREIO DO TOCANTINS, na ocasião, entrevistou o pai, José Gledston, que narrou o momento da tragédia: “Éramos sete homens e a gente trabalhava desde cedo. Meu filho também estava lá. Havia um cumaruzeiro de bom porte encostado numa outra árvore e eu mandei um dos rapazes para derrubá-lo. Afastei-me com Júnior, no meio do barulho do motosserra. Deu um branco na minha cabeça e me esqueci que a árvore poderia cair para o outro lado. Quando lembrei disso, vi que o pau voltava, corri e gritei: ‘corre, meu filho’. Eu corri e joguei-me atrás de outra árvore. Mas Júnior não correu. Meu Deus, e a árvore caiu em cima dele”, narrou o genitor.
Só algumas horas depois, quando um trator conseguiu deslocar o tronco caído, é que o corpo de Júnior Gledston pôde ser resgatado e removido para Marabá. Houve uma grande comoção na cidade, principalmente no meio esportivo. Seu corpo foi velado na Igreja Maanain, no Bairro Novo Horizonte, da qual era membro e líder dos jovens.
No dia seguinte, seu caixão foi colocado em carro aberto, enrolado com uma bandeira do Clube do Remo e o féretro cruzou a cidade, antes de ir ao Cemitério da Saudade, na Folha 29. A carreata passou por ruas da Marabá Pioneira e em frente ao estádio Zinho Oliveira, onde fora protagonista de tantos espetáculos em confrontos de futebol, sendo acompanhado por centenas de pessoas.
Ademir Braz, o jornalista que escreveu a matéria sobre o falecimento de Júnior Gledston, à época, também assinou uma crônica, uma vez que era seu vizinho, o viu nascer e desenvolver-se no campo do Granito, no varjão da Velha Marabá: “Desde menino mostrou talento para o futebol, que jogava com fina elegância e a dignidade de um cavalheiro, nas peladas do Granito, campinho plantado à beira do Itacaiunas, entre as olarias antigas e o Porto dos Homens, pedacinho de chão onde sempre floresceram craques.
Do Granito aos times organizados, foi questão de tempo. Jogou no Nacional, depois no Grêmio Esportivo Tocantins, na primeira Divisão do Campeonato Marabaense. Em 1988 seguiu para Belém, onde colecionou elogios de uma Imprensa exigente e passional. Estudante dedicado, venceu também no vestibular e ingressou na FCAP, agora correndo atrás do sonho de cuidar da terra misteriosa”.
Quando estava no auge e foi artilheiro do Remo, Júnior Gledston liderou, no Pará, um movimento conhecido como “Atletas de Cristo”, motivando outros jogadores de referência a declararem sua fé publicamente.
O pai, José Gledston, faleceu há alguns anos vítima de câncer. A mãe, Maria das Neves, foi ouvida hoje cedo, sexta-feira, sobre as memórias do filho. Claro que ela lembrava-se dos 30 anos da tragédia, assim como seu coração chorava nos outros 29 anteriores. Num áudio de 3 minutos e 29 segundos e com a voz embargada, ela sintetizou sua dor: “A saudade é muito grande. Tem dias que não aguento. Faz 30 anos, mas a dor não passa. Alivia um pouco, mas de vez em quando volta com muita força. Ele era um bom filho, um servo de Deus, amável e carinhoso. O foco dele era dar o melhor para mim. Às vezes, pergunto a Deus por que tirou meu filho, meu primogênito”.
Maria das Neves diz que guarda com muito carinho vários objetos do filho, até hoje, como cartas que ele lhe enviava de Belém. “As lágrimas nunca vão secar e nunca vou jogar fora as coisas dele. Só o tempo vai destruir, ou talvez depois de minha morte”, disse, em soluços. (Ulisses Pompeu)
Fonte: correiodecarajas.com.br
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