Mas o que Mário escuta no fone de ouvido não é nenhuma das duas canções, o que ele dança é Elvis Presley. “Eu gosto de dançar rock”, diz ele.
Aos 70 anos, “seu Mário” quer desfrutar da fama que um dia sonhou ter, mas não sabia que chegaria na terceira idade.
“Eu sabia que tinham feito vídeo meu, mas não sabia que tinham publicado nas redes sociais. Cheguei em casa e meu neto falou ‘vovô, te vi no celular, o senhor está famoso’. Um rapaz de Marabá veio aqui na Estação e falou que o filho dele era meu fã, fiquei emocionado. Eu sabia que um dia eu ia ser famoso e me sinto realizado com o que está acontecendo, não esperava que a terceira idade fosse ser assim”, conta.
Mário Lúcio Pereira Saldanha nasceu no distrito de Mosqueiro, em Belém. Ainda criança, dançava em um bar na ilha. A arte chamava tanto atenção que passou a ganhar dinheiro dançando.
“E desde então me dedico à dança, já fiz vários cursos de dança, de balé. A dança é boa tanto para a mente quanto para o corpo, e eu sempre gostei de dançar. Quando eu danço parece que eu estou voando, não tem outra terapia. Tem gente que me criticou, ‘não tem vergonha de dançar, aqui [na Estação das Docas]?’, não, é a minha profissão”, diz o bailarino.
Mário conta que dança publicamente na Estação das Docas desde 2016 e que, desde a primeira vez, sentiu segurança para dançar por mais tempo e expressar a arte.
“Venho aqui [na Estação] porque o ambiente é bom para dançar, o cenário é ótimo com esse rio maravilhoso, para mim é o ponto turístico mais bonito de Belém, e as pessoas são muito boas comigo, ninguém nunca me maltratou. Eu fui ganhando confiança de que poderia dançar, pensei que ia ser reprimido, mas não, hoje até perguntam ‘cadê teu fone’, quando me veem”.
É a dança que tem feito “seu Mário” ser reconhecido, mas ele coleciona experiências e conhecimento em outras artes, como teatro (participa do Auto do Círio todos os anos), cinema, palhaçaria, dublagem, moda, dentre outras. Ele diz que possui três livros escritos, mas não publicados por falta de dinheiro.
Morador do bairro da Terra Firme, Mário diz que dorme em um quarto pago pelo sobrinho e que passa por dificuldades por não estar trabalhando. Ele recebe uma aposentadoria, mas diz que não é suficiente para se mudar, que é o que mais deseja no momento.
“Só chego lá para dormir, mas é muito perigoso, e isso me afeta. O pessoal aqui me ajuda com alimentação, mas sabe como é, tem gente que diz ‘de novo?’. O que quero é voltar a trabalhar em teatro e cinema para morar em lugar melhor”, conta Mário.
Ele diz ainda que tem família, mas prefere não pedir ajuda aos familiares.
Ele não está em cartaz no momento, mas acredita que a viralização do vídeo vai ajudar a mudar de vida. “Deus está abrindo essa porta para mim e eu sinto que a situação vai melhorar. A fama já começou, já vieram várias pessoas falarem comigo. Uma professora de dança me viu e ficou interessada, e isto está acontecendo porque eu gosto muito de arte, a arte do bem viver, que é o respeito pelas pessoas”.
“Seu Mário” não possui telefone. A entrevista ao g1 contou com a intermediação de Allan Oliveira, funcionário de um dos restaurantes da Estação das Docas. Allan diz que torce para que a vida do artista mude.
“Pensei no início que ele era mais uma pessoa em situação de rua até que um dia nós conversamos e conheci um ser humano incrível, com uma inteligência infinita. Ao vê-lo dançar pela primeira vez, fiquei surpreso e passei a admirá-lo. Espero que a vida dele mude para que ele consiga viver uma ‘velhice’ mais tranquila”, relata Allan.
Além da Estação das Docas, ele frequenta a Praça da República, onde também chama atenção com a dança. Mário Saldanha diz que, enquanto estiver na Terra, fará coisas para valorizar o que é bom na vida, e que sorrir é uma necessidade.
“Se você não sorrir, você fica necrosado por dentro”.