“Motivo de risada e de brincadeira”. Assim, o fisioterapeuta Pedro Rodrigo Abreu, 27 anos, percebia a condição da gagueira na televisão quando mais novo. A percepção se manteve até por volta dos 15 anos, quando, ao nutrir dificuldade de falar palavras como “liquidificador” e “macaxeira”, viu-se alvo de deboche na própria família.
“Lá no fundo, no meu íntimo, eu me sentia triste. Não sei se pode ser caracterizado como bullying, mas o fato de minha família brincar com essa situação me incomodava”, relatou. “E eu nunca cheguei para eles dizendo que me machucava”.
Pedro faz parte do 1% da população que gagueja na fase adulta, segundo a fonoaudióloga Mariana Santiago, vice-presidente da Associação Brasileira de Gagueira, a Abra Gagueira. Dada a quantidade de pessoas com o problema, ainda reconhecido de modo equivocado na sociedade, ocorre o Dia Internacional de Atenção à Gagueira, celebrado neste sábado (22).
O início do distúrbio começou a se mostrar na rotina de Pedro “de forma aleatória”. “Travava uma palavra ou outra numa frase, e tudo bem, mas a frequência dessas travas foi aumentando”, relatou, dizendo que isso não o incomodava constantemente.
No entanto, a situação começou a mudar, passando a ficar mais frequente. No início, pensou se tratar de ansiedade, mas percebeu que as travas vinham até em momentos em que não estava ansioso. Assim, considerou que tinha “piorado o grau”.
“Até os 23, 24 anos, percebia que gaguejava em duas ou três palavras a cada dez, e não ligava. Quando eu comecei a perceber isso, foi com cinco palavras travando. Começava a falar ‘abacaxi’, ‘macaxeira’ e travava nas primeiras sílabas”.
Mariana Santiago explica que ao distúrbio é caracterizado por disfluências — nome dado a qualquer interrupção do fluxo contínuo da fala. As disfluências, porém, têm formas típicas na gagueira, sendo três as principais:
Tais disfluências podem existir em graus diferentes, como leve, moderado e severo, mas sempre se manifestam de forma involuntária.
Pedro Rodrigo acredita que a gagueira é vista de forma ridicularizada, mesmo com o passar do tempo e da instituição de um dia para conscientização sobre o tema. “Na TV é muito engraçado”, apontou, citando que o exemplo da humorista Solange Gaga de Ilhéus é uma exceção à regra. “Ela foi esperta e usou o problema dela para sobreviver, mas é extremamente desagradável, e humilhante também”.
As perspectivas limitadas sobre o distúrbio pautam posicionamentos da Associação Brasileira de Gagueira (Abra Gagueira), segundo o presidente da entidade, Luiz Fernando Ferreira. Também pessoa com gagueira, ele diz que a sociedade relaciona o problema à insegurança, à falta de capacidade e a questões emocionais.
Em razão disso, a instituição começou a se relacionar com o poder público a partir do incentivo a fomentos de políticas nos campos das saúde e da educação voltados à gagueira. No último ano, citou, a instituição trabalhou na confecção de uma minuta de Projeto de Lei (PL), o qual está sendo replicado em municípios e estados do país.
De acordo com o presidente da Abra Gagueira, o PL já foi aprovado em Teresópolis (RJ), a primeira cidade do Brasil a ter uma lei voltada ao assunto, além de Blumenau (SC) e Montes Claros (MG) e no estado do Amapá.
O g1 questionou a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) sobre o desenvolvimento de ações voltadas à conscientização e ao tratamento da gagueira, além de se a pasta já se relacionou com entidades para proposição de políticas públicas sobre o tema, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
“Na nossa perspectiva, a pessoa que gagueja sofre a começar pela falta de um correto conhecimento e esclarecimento da sociedade a respeito do tema. Somos vítimas de mitos e preconceitos, só sendo lembrados no momento da chacota, da discriminação e da piada”, afirmou Luiz Fernando.
Tais aspectos, apontou o presidente da Abra Gagueira, tomam forma desde o bullying na escola quanto na possibilidade de desemprego, no caso de adultos com a disfunção. Em ambos os casos, um ponto é comum: profissionais em diversos espaços, desde professores a recrutadores de Recursos Humanos (RH), sofrem com falta de capacitação para lidar corretamente com o assunto.
“Faz parte dos nossos trabalhos tentar levar para a sociedade informação correta sobre o que é a gagueira […], e, acima de tudo, levando o lema de que a pessoa que gagueja pode ser o que quiser em sua vida, sem problema nenhum”, frisou.
Fonte: g1.globo.com
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