Eficaz para manter crianças e adolescentes protegidos durante a pandemia, a oferta de aulas remotas esbarra, no entanto, na dificuldade de acesso à tecnologia entre as famílias mais humildes. Pais precisaram fazer escala de uso e até abrir mão de levar o celular para o serviço para as crianças poderem estudar. Quando nem internet há, o jeito é deixar o conteúdo acumular e fazer quando for possível.
Com as aulas presenciais suspensas desde março, nas escolas da rede municipal de ensino de Marabá, o “malabarismo” para manter os estudos tornou-se rotina entre as famílias de bairros periféricos, enquanto o novo coronavírus é ameaça à vida.
Com apenas um celular em casa e o custo da internet compartilhado com a vizinha, a dona de casa Fabíola de Souza Soares, 24 anos, levou algum tempo até conseguir adaptar o horário de estudo das filhas de 8 e 9 anos. Ela tem ainda um menino de 4 anos e um neném de 1 ano e 11 meses, o que a impede de auxiliar as meninas de forma integral na execução das tarefas.
No presencial, as filhas costumam ir para escola, localizada no bairro vizinho, no período da manhã. O único aparelho celular obrigou a mãe a criar horários diferentes para que as alunas pudessem acompanhar as aulas. A mais nova faz uso das 8 às 11 horas e a mais velha das 13h30 às 16h30.
“Só tem o meu celular. A gente tem que ser virar do jeito que dá. No começo, as duas estudavam no mesmo horário, com as duas professoras falavam ao mesmo tempo com a gente. A gente fica perdida. Eu pegava as duas para estudar no mesmo horário. Agora, para dar uma organizada, coloquei uma de manhã e outra à tarde”, explica.
Fabíola revela que a professora entre em contato todos os dias e manda o link das aulas gravadas via WhatsApp. “É difícil ficar em casa com eles nesse momento, porque entreter é bem complicado. O que distraia são as aulas de educação física que a professora manda em vídeo”.
Um celular, três filhos e um trabalho fora. A diarista Liana Vargas dos Santos, 36 anos, precisou abrir mão de levar o celular para o serviço para que os filhos pudessem acompanhar as aulas on-line.
Dos quatro filhos, três estão em idade escolar. A rotina atribulada de estudos acaba pesando nos ombros da filha mais velha, de 14 anos. Além de estudar, ela precisa auxiliar os mais novos, de 8 e 7 anos, durante as explicações do conteúdo e os exercícios.
A família mora no Bairro da Paz, no núcleo Cidade Nova, e a convivência entre os irmãos é pacífica, segundo relata Adriana Vargas, a filha mais velha. Ela diz que controla o horário de uso do celular e ajuda as atividades de todos, além de auxiliar a mãe na preparação das refeições.
ESTUDA QUANDO DÁ
O aparelho celular até tem, mas há famílias que esbarram ainda no empecilho de não ter plano de internet. É o caso da família da dona de casa Andreia Cristina da Silva, 30 anos. Ela tem três filhos, apenas um está em idade escolar, mesmo assim é complicado criar uma rotina de estudos com o acesso limitado ao conteúdo disponibilizado pelos professores.
A mãe coloca crédito no celular pré-pago, o que permite acesso à internet por no máximo uma semana. “Às vezes, a gente não tem dinheiro para por crédito e deixa as atividades acumuladas até conseguir ter acesso à internet de novo”, confessa.
Desta forma, os estudos ficam prejudicados, pois a professora disponibiliza explicações do exercício da apostila em grupo de WhatsApp. Além disto, a mãe tem dificuldade para auxiliar o filho, já que precisa ainda cuidar das crianças pequenas. “O menor corre longe das atividades. E está bem difícil conseguir fazer ele focar para fazer as tarefas”, afirma.
Na casa de Débora Kizahy de Lima Freitas e José Ricardo, a situação é complexa. O atual modelo escolar imposto pela administração pública por conta da pandemia do coronavírus já se torna um desafio quando a família se propõe a cuidar de uma criança aprendendo – imagine três! É a realidade na casa dos Kizahy Freitas: João Pedro, de cinco anos, é aluno da Educação Infantil; Ana Clara está no terceiro ano do Ensino Fundamental, enquanto a mais velha, Ketellem, cursa o sétimo ano.
Com toda a responsabilidade de desempenhar o papel de mãe no dia a dia dos três filhos, que não estão frequentando a escola, Débora teve de abdicar do trabalho no pequeno empreendimento que comanda junto de José Ricardo. Agora, ela conta que teve que assumir mais um papel durante a quarentena: “a gente está tendo que praticamente substituir o professor, e não temos essa preparação, né? Aí acaba dificultando o aprendizado”, lamenta.
Para Ketellem, a mais velha, as aulas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Milton Alves Martins, localizada no bairro Nova Carajás – onde Débora e sua família moram –, estão sendo ministradas pelo Google Meet, serviço de videoconferência, e as atividades submetidas por outra ferramenta, o Google Sala de Aula. Enquanto isso, a escola manda atividades para os níveis de Ana Clara e João Pedro, entregues duas vezes na semana.
A matriarca diz que as dificuldades com Ketellem, de 12 anos, são menores, por ela já ter familiaridade com as plataformas digitais. Ela atesta que o desempenho da aluna do sétimo não foi prejudicado pela modalidade à distância, e o costume é de sempre tirar dúvidas com os professores através do Meet e do WhatsApp.
A rotina não é simples. Ketellem tem aulas pela manhã e costuma assisti-las na varanda da residência, onde é mais arejado. Enquanto isso, Ana Clara e João Pedro desempenham com a mãe as atividades cedidas pela escola. “De vez em quando a escola proporciona materiais didáticos, que buscamos na escola todo mês, mas a maioria das atividades chega pelo WhatsApp, que enviam para o grupo de cada classe”, diz Débora ao relatar como vem funcionando o ensino dos filhos.
O volume de atividades para Ana e João é menor, o que ainda gera certo alívio à mãe, de 28 anos. Ainda assim, a mãe diz ter preocupações com o período de volta às aulas presenciais: “a intenção [da escola] para essas crianças menores é que elas possam se socializar, tenham uma preparação psicológica na escolinha. Então, eu acho que essas crianças serão muito prejudicadas, porque quando voltarem vão ter o baque de ir direto para lá e receberão uma cobrança muito maior”.
Débora afirma que já considerou colocar pelo menos os mais novos em alguma instituição privada de ensino – visto que algumas chegaram a funcionar presencialmente, sob medidas restritivas, em determinados períodos da quarentena – mas o temor quanto à saúde, principalmente em relação a João Pedro, que tem asma e faz parte do grupo de risco, é grande. “Tenho pavor em colocá-los em um local com mais pessoas justamente por isso. Aqui em casa, graças a Deus, ninguém teve contato ainda com o vírus”, diz, aliviada.
Após um ano de ensino em casa, Débora relata que a maior parte dos desafios já foi superada por ela e os filhos. “Questões de conexão [da internet], de entrega [de atividades], às vezes acontece. A internet não é tão boa, mas a gente ainda consegue usar. Às vezes usamos a rede de dados móveis… não é realidade de todo mundo, mas nisso até que para a gente tá bem acessível”.
Questionada se tem percebido dificuldades partindo de outros alunos, cujo acesso à internet ou realidade familiar não é tão favorável quanto a de sua família, Débora conta que vê muitas famílias com problemas em acompanhar o ritmo das aulas. “Muitas são carentes, não têm condições de instalar internet em casa. Vejo muitas mãezinhas reclamando que tão sem internet, usam justamente a do celular”.
Débora acredita que os servidores públicos estão fazendo o possível em meio à difícil situação, mas não deixa de cobrar melhores condições para o ensino da administração pública. “Eu sinto o esforço deles [professores] e da escola também. Eles cobram um auxílio a mais, uma ajuda maior do governo para as famílias mais carentes. Seria bom disponibilizar uma contribuição para pagar internet para as crianças estudarem”, completa, relatando que os pais não se prepararam para fazer o papel de professores e a sobrecarga é grande. (Juliano Corrêa)
A rotina da família de Isadora Gomes mudou completamente desde o início da pandemia. Mas não foram apenas os cuidados para evitar a doença. As aulas dos filhos mudaram radicalmente e todos precisaram se adaptar à nova realidade.
Em entrevista à Reportagem do CORREIO, Isadora Gomes, mão de Vicente Gabriel Gomes, de 6 anos, aluno do 1º ano do Fundamental na Escola Mendonça Vergolino; e Miguel Gomes, 11 anos, estudante do 7º ano do Fundamental da Escola João Anastácio de Queiroz – ambas da rede pública de Marabá – relata como estão lidando com a adversidade nada comum e sem data para terminar.
Eles moram na Folha 18, Nova Marabá, mas na casa não tem um computador ou notebook e os alunos dependem dos dois celulares da casa: um é da mãe e o outro do filho mais velho. Como a mãe precisa trabalhar, acaba ficando apenas um celular em casa.
Ela revela que o mesmo dilema é enfrentado por outros pais que fazem relatos em grupos de Whatsapp, pois muitos trabalham o dia inteiro e não conseguem dar o apoio necessário para os filhos, inclusive com a impressão de uma simples tarefa.
No caso de Isadora, sua mãe, Maria do Socorro Gomes, ajuda na hora da lição e das aulas. No entanto, Maria só cursou a antiga quarta série, o que dificulta, pois alguns não consegue entender alguns conteúdos para sanar as dúvidas dos netos.
Outros empecilhos vão aparecendo, como o suporte dos professores para tirar as dúvidas dos alunos, que não estão dando 100 de assistência. Diante disso, tiveram de criar um grupo no WhatsApp para resolver os problemas com mais celeridade. (Henrique Garcia)
Os obstáculos continuam com André da Silva Figueiredo, pai de Ágada Sofia Carneiro Figueiredo de 13 anos, aluna do 8º ano na Escola O Pequeno Príncipe, na Folha 32. Ele explica que o ensino a distância tem prejudicado uma das funções da escola, que é a socialização de crianças no dia a dia.
André também cita que há um lado bom nisso tudo, que é estar mais presente na vida da filha, maior capacidade de concentração da adolescente durante as aulas, além de um melhor acompanhamento na vida estudantil dela. “Se a gente está presente, a perda é a menor possível”, sintetiza.
Ao ser questionada sobre o aproveitamento nas aulas, Ágada lembra que, no começo, foi tudo muito rápido, difícil de se acostumar, mas está conseguindo se habituar à nova forma de ensino. Mesmo com todas as adversidades, avalia que os professores colocam os estudantes em posições específicas para que consigam entender o conteúdo.
Segundo ela, as dúvidas, muitas vezes, não são sanadas no on-line e às vezes é necessário rediscutir o assunto na aula seguinte. Apesar disso, afirma que está até se saindo melhor do que esperava.
A adolescente assiste todas as aulas pelo próprio celular, por meio de aplicativo criado pela Secretaria Municipal de Educação para o ensino a distância. Ágada revela que as aulas são sequenciadas e, muitas vezes, quando uma aula acaba para entrar na outra, o aplicativo trava, ou não consegue entrar na sala virtual por problema de conexão da internet.
Ágada diz que o problema de travamento e lentidão da internet ocorre com praticamente todos os colegas. Por isso, nos grupos criados de WhatsApp criados para tirarem dúvidas, acontecem debates diários para ajudar quem não entendeu o assunto das aulas.
Eles (professores) mandam os vídeos, a gente assiste aí depois entramos na sala de aula virtual. Explicam o assunto e quando acaba a aula eles mandam as atividades no grupo. Respondemos e devolvemos para serem corrigidas. Depois, os professores relatam tudo sobre o desenvolvimento e dão as notas para’’.
Por fim, quando não consegue sanar as dúvidas, ela envia mensagens no privado dos professores para não carregar a dificuldade para a próxima aula e atrapalhar o entendimento de outros assuntos.
Fonte: correiodecarajas.com.br
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