Como mostrou o g1, os aumentos da taxa básica de juros, a Selic, feitos pelo Banco Central desde 2021, começaram, enfim, a trazer consequências mais fortes para a economia. E uma delas é, justamente, a redução do consumo por meio da dificuldade de concessão de crédito.
Para analistas que acompanham o setor, o encarecimento do crédito junto com a redução do poder de compra da população reduziu o potencial de financiamento e, por consequência, a demanda por carros novos.
Dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) mostram que janeiro de 2023 começou lento. Comparado ao mês anterior, houve queda de 34% nos emplacamentos de automóveis, veículos comerciais leves, caminhões e ônibus — ainda que o número seja 12% maior que o observado em janeiro de 2022.
Em fevereiro, nova queda: 9% em relação a janeiro. Contra o mesmo mês de 2022, o acumulado também passou ao campo negativo: recuo de quase 2%. Considerando apenas automóveis, houve redução de 7% e 4,2%, respectivamente.
Procuradas, tanto a Fenabrave como a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não se pronunciaram. As notas das montadoras foram publicadas pelo g1 na segunda-feira.
“A retração de demanda em função da dificuldade de acesso ao crédito é o mais relevante agora. Não dá para dizer que não tem problemas de oferta pontuais na cadeia. Mas esse não é mais o grande problema”, diz Tereza Fernandez, economista da TF Associados.
Para Antônio Jorge Martins, professor de mercado automotivo da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), as paralisações são necessárias para evitar um encalhe de novos modelos no estoque de montadoras e concessionárias. Isso porque dois em cada três automóveis são adquiridos no Brasil por meio de financiamentos, e as condições financeiras do brasileiro se deterioraram.
“Estamos falando de um poder de compra atingido pela inflação, pela falta de ajuste dos salários e um custo mais significativo dos financiamentos. Não se tira um carro novo da concessionária por menos que 25% a 30% ao ano”, afirma.
Martins diz ainda que, durante a pandemia, as montadoras priorizaram a produção de modelos de maior valor agregado, atendendo um público de renda mais alta. Agora que as camadas de renda mais baixa têm acesso mais restrito ao crédito, houve um duplo fator de desaceleração.
Para ele, o mercado só tende a se arrumar quando a população conseguir restabelecer seu nível de renda ou com políticas de acesso facilitado ao crédito. É deste lado que, segundo o analista, o governo tem trabalhado: buscando redução dos juros básicos do país e favorecendo a condição de empréstimos.
“Na medida que tivermos uma sinalização ou mesmo uma reversão do quadro de juros, já deve servir de melhora de expectativas para o mercado como um todo”, diz.
Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) anuncia sua decisão sobre os juros do país. A expectativa do mercado financeiro é de manutenção do atual patamar, de 13,75% ao ano.
Em outras palavras, o custo dos financiamentos continuará elevado e segurando o mercado automotivo por mais tempo. O tamanho do problema, porém, estará nas entrelinhas do comunicado do Copom na quarta-feira.
Isso porque, como disse Martins, o mercado trabalha com expectativas. Se o Copom der vislumbre de que está menos preocupado com a inflação e pretende ser mais complacente com o patamar de juros, as condições de crédito podem melhorar em um prazo mais curto.
O governo federal corre contra o tempo para apresentar a nova regra de política fiscal do país, que substituirá o teto de gastos como artifício para o controle das contas públicas. É o que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chama de novo arcabouço fiscal.
Um bom plano de controle fiscal causa um efeito em cadeia. Em resumo simples, funciona assim: mais confiança com os gastos públicos traz investimentos para o país e acalma as expectativas de inflação, o que permite o BC baixar os juros.
Mas, por ora, o que se tem é uma redução da concessão de novos empréstimos e um aumento da inadimplência no financiamento de veículos. O preço de carros novos, que subiu nos anos de pandemia, também não arrefeceu.
“Havia sinais de perda de dinamismo e efeitos da contração do crédito, mas caiu além do esperado. E a inadimplência também subiu muito, o que faz com que os bancos limitem a oferta de crédito novo”, diz Isabela Tavares, economista e especialista em crédito da Tendências Consultoria.
Dados do BC mostram que a inadimplência de veículos está nos maiores patamares desde 2013, lembra a especialista. Mas esse é um efeito restritivo que passa por todo o setor de bens duráveis, que depende dos financiamentos como motor de consumo.