Mães de crianças que adoeceram em meio a notícias de contaminação de estudantes da rede de ensino pela bactéria Streptococcus pyogenes, em São João del-Rei, em Minas Gerais, estão preocupadas e reclamam do atendimento precário na rede de saúde e da falta de informação por parte do Poder Público, que ainda não confirma o diagnóstico.
A Secretaria de Saúde de São João Del-Rei, em Minas Gerais, investiga se as mortes de três estudantes da rede de ensino da cidade foram causadas pela bactéria Streptococcus pyogenes. Segundo relatos das mães, dezenas de crianças na cidade tiveram que ser atendidas em unidades de saúde por conta de sintomas como febre alta, vômitos e mal-estar.
Algumas delas ouviram dos médicos que se tratavam de males causados por uma bactéria — mas também não tiveram confirmação exata de qual.
‘Pescoço começou a inchar’
“Eu não sei se foi na escola que o meu filho pegou. Mas que ele pegou uma bactéria, pegou”, afirmou ao UOL a autônoma Michele Aparecida Silva Aquino, 35, mãe de Pedro Henrique, 13.
Ele começou a passar mal numa quinta-feira (19). Ele estava com febre, garganta inflamada e o pescoço começou a inchar. Levei ele no posto e disseram que poderia ser caxumba. Deram um remédio para febre e voltamos para casa.
Como o filho não melhorava, ela retornou com ele na sexta, no sábado e no domingo ao posto de saúde. Em todos os atendimentos, ela era informada de que o menino tinha apenas uma “dor de garganta”, sem um diagnóstico fechado, e que os sintomas passariam após alguns dias tomando um medicamento receitado pelo plantonista.
Michele conta que, ao procurar por uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) na cidade no final de semana, encontrou a recepção lotada de crianças e mães desesperadas, em busca de atendimento. Aquilo a assustou muito, e ela começou a desconfiar que o filho pudesse ter sido infectado pela bactéria que acometeu outras crianças na cidade.
“Na terça-feira (24), meu filho piorou. Colocamos ele no carro e levamos até o município de Barroso, a 35 km de São João del-Rei, para passar por atendimento. Assim que o médico fez os exames iniciais, já desconfiou da infecção. Pediu os exames de sangue e urina e confirmou que ele estava com uma infecção bacteriana”, diz Michele. Segundo ela, o médico confirmou que a bactéria começava a afetar os rins do garoto, pois sua urina estava muito escura e havia sofrimento na hora de urinar.
O médico disse que não seria necessário fazer exame específico para saber qual bactéria era, receitou um antibiótico de largo espectro e Pedro Henrique foi, pouco a pouco, apresentando uma melhora, o que deixou a autônoma mais tranquila.
Eu chorava, sabe? Eu falava: ‘Meu Deus do céu, meu filho pode morrer’. Se eu não tivesse corrido atrás de atendimento em outra cidade, nem sei se meu filho teria sobrevivido.
Retorno doente de creche
A camareira Lucimara Rebeca Soares, 24, mãe de Sophia Helena, de apenas três anos, também enfrentou uma peregrinação às poucas unidades de saúde existentes em São João del-Rei depois que a menina começou a apresentar sintomas semelhantes aos de uma infecção bacteriana, segundo ela. Ela começou a passar mal assim que retornou da creche na segunda-feira passada (23), com febre alta, vômitos e muita dor na barriga, segundo a mãe.
“Segunda-feira ela foi para a creche toda feliz. Quando ela voltou com a van, ela já chegou deitadinha e achei um pouco estranho. Coloquei um termômetro nela e ela estava febril. Dei um remédio para baixar a febre, mas não adiantou. Levei ela numa UPA”, conta Lucimara.
Ao passar pela triagem, a enfermeira detectou uma temperatura de 39,9ºC na menina. Após cinco horas de espera, conta a camareira, Sophia foi atendida. Após alguns exames, a médica disse que seria uma gripe, receitou um antitérmico e dispensou a criança, para a mãe cuidar dela em casa.
A menina, porém, não melhorou. Na manhã seguinte, Lucimara retornou com Sophia à UPA e, como a febre continuava alta, os médicos pediram exames de sangue que, segundo ela, retornaram com algumas alterações. “Foi aí que receitaram um antibiótico. Mas não pediram exame específico para ver qual bactéria era. A gente fica sem saber o que está acontecendo”.
Na quinta-feira (26), a menina começou a apresentar outros sintomas, como vômitos e tremedeira, e a mãe decidiu levá-la a outra unidade de saúde. Os médicos que a atenderam disseram que o caso da menina era grave e prepararam uma guia de internação para ela apresentar à UPA.
“Mas quando chegamos lá na UPA, negaram a internação. Falaram novamente que era uma gripe. Receitaram antibiótico. Estou dando, mas minha filha não melhorou completamente. A gente, que é mãe, fica desesperada. Corri com ela a semana inteira e até agora não sei o que ela tem”, disse Lucimara.
O que dizem as autoridades
A prefeitura de São João del-Rei foi procurada para prestar informações sobre os supostos casos de contaminação pela bactéria Streptococcus pyogenes em estudantes e crianças da cidade, mas até a publicação, não respondeu aos questionamentos.
A Secretaria de Saúde de Minas Gerais informou, em nota, que estão sendo realizadas ações coordenadas com a prefeitura de São João del-Rei e órgãos de saúde federais, em busca de informações e coletas de dados epidemiológicos no município.
Segundo a Secretaria, foram adotadas medidas como a coleta de amostra para exames laboratoriais e treinamento das equipes de Saúde para o atendimento e diagnóstico imediato, e que outras medidas de prevenção poderão ser tomadas após a conclusão da investigação.
A Secretaria diz ainda que ainda não há critérios que comprovem surto ou risco à saúde da população de São João del-Rei, bem como nenhuma evidência epidemiológica que justifique a alteração na rotina das atividades da população, como paralisação nas escolas.
Até o momento, as investigações epidemiológicas realizadas não evidenciam critérios clínicos e laboratoriais que comprovem surto pela bactéria Streptococcus pyogenes, de acordo com o órgão.
Transmissão e sintomas
A transmissão da bactéria Streptococcus pyogenes se dá através do contato com a secreção contaminada desses pacientes. Se o paciente apresenta um quadro respiratório, com tosse e espirros, as secreções produzidas, ricas em bactérias, podem infectar uma pessoa saudável.
Os sintomas dependem do local infectado, segundo explica a infectologista Luana Araújo, especialista em doenças infecciosas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestra em Saúde Pública pela universidade Johns Hopkins Bloomberg, nos Estados Unidos.
A infecção bacteriana pode causar duas condições graves. Quando ocorre na faringe em indivíduos de 5 a 15 anos, devido a questões imunológicas e predisposição à bactéria, pode evoluir para a escarlatina, que causa erupções cutâneas na pele, especialmente no rosto, tornando-a áspera e inchando a língua.
Quando a infecção afeta a pele, geralmente causa impetigo, mas pode evoluir para condições mais graves, como erisipela, que resulta em febre alta, calafrios e erupção cutânea vermelha. Ao evoluir para uma fascite necrotizante, que é extremamente grave, a condição leva à morte do tecido mole do corpo e causa sintomas como vermelhidão, inchaço, dor intensa, febre e vômitos.
A infectologista menciona que apenas um pequeno grupo de pacientes pode desenvolver uma doença invasiva causada pela bactéria, e isso depende da imunidade do paciente e da virulência da bactéria. Esta infecção pode se espalhar para a corrente sanguínea, afetando órgãos como cérebro e rins, resultando em um quadro grave que pode levar à morte do paciente. Essa situação está sob investigação em São João del-Rei, embora ainda não haja resultados laboratoriais para confirmar essa suposição.
Fonte: www.noticias.uol.com.br
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