A cheia dos rios Tocantins e Itacaiunas não dá trégua e continua tangendo famílias de suas casas. Já são mais de 200, o que representa cerca de 800 pessoas fora de suas casas. Mesmo com o trabalho de quase 24 horas da Defesa Civil Municipal, esta não dá conta de atender a grande quantidade de famílias que sai das residências e fica à espera da construção de novos abrigos.
Ontem à noite, segunda-feira, 16, por volta de 19 horas, o nível do Rio Tocantins em Marabá já tinha atingido a marca de 11,30 metros acima, tendo subido 60 centímetros em apenas 24 horas. Como consequência, mais famílias passam a ficar desabrigadas, principalmente no Núcleo Marabá Pioneira, onde já somam 129 famílias desabrigadas, segundo a Defesa Civil Municipal.
Por conta da demanda crescente de desabrigados e da perspectiva de o nível do rio subir mais ainda nos próximos dias, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura antecipou à Reportagem do CORREIO na noite desta segunda-feira que o prefeito Tião Miranda deve decretar nesta terça-feira, dia 17, Situação de Emergência. E essa medida, é bom que se diga, não tem nada a ver com o temor geral da população com a iminência da chegada do coronavírus.
A situação ou Estado de de Emergência se caracteriza pela iminência de danos à saúde e aos serviços públicos. Com isso, há possibilidade de obtenção de recursos federais e estaduais facilitada e a Prefeitura tem a possibilidade de realizar compras de materiais e contratar mais pessoas para atender as urgências sem realizar a demorada licitação.
Também no Programa de Resposta aos Desastres há o auxílio emergencial financeiro (Lei 10.954/04) destinado a socorrer e a assistir famílias com renda mensal média de até dois salários mínimos atingidas por desastres em locais onde ao estado de emergência ou calamidade seja reconhecido mediante portaria do Ministério da Integração Nacional.
A principal reclamação de famílias no final da tarde desta segunda foi exatamente esta: há muita demora na construção dos barracos na Orla. A reportagem contou pelo menos oito famílias que estavam com suas mudanças amontoadas sem nenhuma cobertura à espera de um abrigo.
Além da Velha Marabá, segundo a Defesa Civil, também há famílias desabrigadas nos bairros Da Paz, Carajás I, II e III e Folha 33. Na região do Bairro Independência, embora não citado na nota da Prefeitura enviada à Redação, também há desabrigados.
Ao todo, segundo a Defesa Civil, já foram construídos 250 abrigos, mas outras áreas estão sendo limpas para receber mais famílias, caso seja necessário.
Indagada pela Reportagem, a PMM informou que profissionais da Secretaria de Saúde deverão começar a agir nos abrigos a partir desta quarta-feira, dia 18, inclusive com profissionais da Vigilância Sanitária, já que há casos de cães circulando entre os flagelados com sinais de leishmaniose visceral. Já a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura está acompanhando as famílias e realizando cadastros. Ajuda com cestas básicas só após a decretação da Situação de Emergência.
Você, provavelmente, já ouviu dizer que enchente em Marabá é cultural. E é verdade. Pelo menos para os moradores tradicionais da Marabá Pioneira, que estão acostumados num ir e vir sem fim entre a residência, casa de parentes ou abrigos improvisados da Prefeitura em lugares incertos.
A Reportagem do CORREIO passou o último final de acompanhando o movimento frenético de mudança de famílias de ruas mais baixas no Bairro Santa Rosa para o abrigo construído na Orla do Rio Tocantins, na altura da Colônia de Pescadores Z-30.
ENCHENTE NA ENCHENTE
Com uma câmera fotográfica na busca pelo incomum, encontramos de tudo. Por volta de 23h30 do último sábado, 14, durante uma chuva torrencial que criou uma lâmina d’água de 10 centímetros no piso de todos os abrigos, um casal se abraçava e se beijava na porta do ínfimo cômodo de 15 metros quadrado em que dividiam espaço com seus móveis e os dois filhos. “Estamos acostumados com esse tipo de situação”, disse o marido. É chato, mas fazer o quê?”, conformava-se, ao mesmo tempo em que o filho de dois anos brincava de bater a sandália contra a água da chuva.
Na manhã seguinte, já com sol a pino, as crianças e adolescentes curtiam o dia como se estivessem numa colônia de férias. Tomavam banho no rio Tocantins, a 10 metros do abrigo, brincavam de quebrar borbulha e do famoso “trisca”. Pulavam de tudo quanto era lugar e, para elas, enchente não é coisa tão ruim assim.
Num corredor entre os abrigos, ali perto, um cão vira-lata estava deitado, com crescimento exagerado das unhas, perda de pelo, feridas e sinais de emagrecimento. Como ele, outros com as mesmas características circulavam ali por perto. Horas depois, imagens do cão foram enviadas para uma veterinária da cidade, que confirmou que os sintomas apontam para leishmaniose.
Outro garoto, aparentando 10 anos de idade, saía da Rua João Salame, que já estava inundada, com um cachorrinho de cor preta na mão. Disse que a família já tinha ido para o abrigo, mas ele voltou para buscar o amigo para que não se sentisse sozinho em casa. “Ele só tem dois meses de nascido”, justificou.
Mas enchente também é palco para reencontros. Carla Souza Ramos, que reside na Rua São Pedro, disse que fazia seis meses que não via a amiga Jorgina Carvalho, que mora na João Salame. “Ela tinha ido se tratar em Teresina faz tempo e eu nunca mais tinha visto. Nos encontramos aqui embaixo dessa árvore e estamos botando as conversas em dia”, diz Carla.
Raimundo Nonato Brito e Jhonatan Mendes são moradores da ocupação Del Cobra, no Bairro Santa Rosa, e desde o domingo, 15, precisaram sair de suas casas, já que ela foi invadida pela água. “Tivemos que vir pra esse abrigo porque não tem condições de ficarmos na nossa casa, sem falar que aquela água é cheia de cobra”, justificou Jhonatan.
Até o momento, segundo os moradores, apenas os abrigos foram disponibilizados, mas já existe entre eles a necessidade de algo a mais. “Gostaríamos de receber pelo menos alguns colchões ou cestas básicas, pois essas coisas acabaram sendo perdidas com a invasão da água”, clama Raimundo Nonato.
Embora viva há quatro anos na Rua São Pedro, essa é a segunda vez que Marcelo da Silva precisa deixar sua residência por conta da enchente. Ele conta que há três semanas, a água já invadiu sua casa e desde então ele aguarda pelo apoio da Defesa Civil. “Estou aguardando, sei que tem muitos outros precisando também, então só nos resta aguardar. A maioria das pessoas aqui da São Pedro já saíram daqui. Ninguém gosta de ter que sair da sua casa, pois é um prejuízo muito grande”, diz Marcelo.
O serralheiro Marcos de Souza tem sua residência na Travessa Nossa Senhora das Graças, que foi tomada pelas águas na madrugada dessa segunda-feira, 16. “É a primeira vez que preciso sair daqui. Ontem, domingo, eu mudei para a casa de um amigo por conta própria, na Rua Silvino Santis, mas já havia ido até a Defesa Civil para solicitar a mudança, só que eles chegaram só hoje, segunda, com os caminhões”, relatou Marcos.
Tânia Bueno foi encontrada, ao meio dia, almoçando com a filha e uma neta embaixo de uma árvore, próximo ao abrigo da Orla. Disse que estava ali a manhã toda de domingo e foi o jeito comprar a “boia” porque não dava para cozinhar no meio da rua. “Vim da Travessa São João e pra lá não vou voltar. Tenho de ficar por aqui, mas não tem lugar pra gente no abrigo”, lamentou.
O coordenador da Defesa Civil Municipal, Jairo Milhomem, explica que, apesar da rapidez com que o nível do rio aumentou e invadiu as residências, o departamento está fazendo o possível para atender a grande demanda. Só de caminhões disponibilizados pelo Exército para o transporte aumentou de três para cinco, além dos outros três que a Prefeitura dispôs.
Em relação aos abrigos, os locais onde já há construções recebendo famílias são o Estacionamento da Colônia Z-30, onde há 90 abrigos já prontos com famílias alojadas e a possibilidade de ampliar para mais 150. E também na Obra Kolping no Bairro Belo Horizonte, que já recebe cerca de 20 famílias com 40 abrigos, podendo receber mais 20 famílias até a manhã desta terça-feira, 17.
Jairo também atualizou os locais onde novos abrigos serão construídos, como no campo do Xaxuricão, na Folha 33, além do Campo do Tatuzão, no Belo Horizonte, para atender as demandas dos Bairros Filadélfia e Jardim União, como também a comunidade do Taboquinha. Um galpão será utilizado no Núcleo Cidade Nova para receber os desabrigados dos bairros da Paz, Bela Vista e Independência. Um terreno na Folha 14 também será usado para algumas famílias e ainda outro na pracinha do Bairro São Félix.
A maior parte das famílias que estão desabrigadas cobra por suprimentos para ter o mínimo de condições básicas para permanecer nos abrigos, tendo em vista que os alojamentos não possuem água potável e um local para preparar alimentos.
Antônia Oliveira reside na Rua São João e sua residência já ficou embaixo d’água há quatro dias. Desde então, ela vem aguardando na fila do cadastramento para ter um abrigo. “Minha senha é a 105, e agora que estão atendendo a 83, há grande chance disso não ocorrer hoje (segunda). E se chover? Todos os meus pertences e da minha família irão molhar com a chuva, pois nem um plástico para cobrir nossas coisas foi oferecido”, reclama Antônia.
Já Manoel Marques, que também perdeu sua casa para a água, na Rua São João, reclama que a Defesa Civil demorou a se preparar para dar apoio aos desabrigados. “Estamos todos misturados, nossas coisas ficam amontoadas por aqui, correndo risco de pegar chuva. Minha senha é a 141 e não há nem 100 barracos construídos. Acho que só daqui dois dias é que vou conseguir o abrigo pra colocar minha família”, desabafou Manoel.
Em relação a todas as demandas da população, Jairo pediu que tenham paciência. “Nossa prioridade no momento é a retirada das famílias das áreas alagadas, após isso vamos providenciar as demais solicitações. Ficamos descontentes com essas reclamações, pois estamos fazendo o máximo que podemos para atender a todos”, declarou Jairo. (Zeus Bandeira, Ulisses Pompeu, Evangelista Rocha e Josseli Carvalho)
Fonte: Correio de Carajás
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