Em abril, uma reportagem do Fantástico mostrou como o Discord, um aplicativo popular entre adolescentes, havia virado uma ferramenta para envolver jovens em um submundo de violência extrema. Agora, o programa traz uma nova investigação sobre um submundo perverso da plataforma, um território sem lei, onde predadores estão à caça de menores de idade.
“É importante que fique muito claro que não se trata de desafios que estão sendo praticados por adolescentes. Tratam-se de criminosos, a grande maioria maiores de idade, que utilizam a insegurança dessa plataforma em relação a crianças e adolescentes para praticar crimes gravíssimos contra essas meninas”, diz a promotora Maria Fernanda Balsalobra.
“Eles são sádicos, misóginos, eles têm um asco, um avesso por mulheres”, afirma o delegado Fábio Pinheiro Lopes.
O Discord permite que as pessoas se comuniquem em transmissões ao vivo de vídeos dentro da plataforma. A vítima passa a ser chantageada a cumprir desafios. Se ela não aceitar, fotos íntimas são vazadas.
Um dos criminosos tem vários aparelhos de armazenamento e revela uma coleção cruel: “backup das vagabundas estupráveis”. Em cada pasta, o nome de uma vítima. São dezenas de meninas violadas, chantageadas, expostas, catalogadas.
Os agressores se sentem protegidos pelo anonimato e se tornam cada vez mais cruéis.
“Ajoelha, se prostra para mim, eu sou a p*** de um deus para você agora. Você é uma vagabunda que merece sofrer mesmo”, diz Izaquiel Tomé dos Santos, conhecido como Dexter, a uma adolescente.
Ele está preso desde abril.
Há denúncias de dez vítimas: fotos de meninas nuas, mutiladas com uma dolorosa assinatura, o nome Dexter escrito com lâmina na pele.
À Polícia Federal, Izaquiel admitiu ter chantageado garotas para que elas se mutilassem. “Elas tinham que esconder isso da família, principalmente as lesões que elas mantinham no corpo de cortes”, explica o delegado João Rocha.
Além das dez vítimas localizadas pela PF, o Fantástico encontrou outras cinco.
“A gente espera que os pais conversem preventivamente, busquem se os filhos têm alguma lesão, se ficam muito tempo dentro do quarto. O diálogo é importante”, ressalta o delegado.
Na última sexta-feira (23), a polícia prendeu dois criminosos que agiam na plataforma e identificaram mais um, Carlos Eduardo, conhecido como DPE, que está foragido.
Além da responsabilização individual dos agressores, o Ministério Público de São Paulo também investiga o próprio Discord.
“Nós estamos apurando, através de um inquérito civil, a falta de segurança da plataforma Discord. Crimes individuais sempre vão ocorrer na internet. O que diferencia é a detecção de que nessa plataforma está ocorrendo um discurso estruturado de ódio. Um local propício para que eles planejem ataque as vítimas e, principalmente, transmitam o conteúdo do crime”, declara o promotor de Justiça de São Paulo Danilo Orlando.
Em entrevista ao Fantástico, o porta-voz do Discord disse que a plataforma “não tolera comportamento odioso”. “Nós somos um produto gratuito para mais de 150 milhões de usuários ao redor do mundo, e de tempos em tempos, conteúdo mau e comportamento mau vão acontecer. Nós trabalhamos ativamente para remover esse conteúdo”, afirmou o porta-voz. “Gostaria de enfatizar que a vasta maioria das interações de brasileiros usando Discord são positivas e saudáveis. Nós somos proativos e investigamos grupos que podem estar envolvidos em ameaças a crianças e trabalhamos para tirar esses agentes ruins da plataforma”.
O especialista em estudos da criança Hugo Monteiro Ferreira realizou uma pesquisa sobre a atual condição social e emocional de adolescentes e crianças, entrevistando mais de três mil pessoas.
“Eu nominei como geração do quarto”, diz Hugo. “Você tinha um fenômeno que já ocorria, e a pandemia colocou uma tonelada sobre esse fenômeno. Quando eu vou para o mundo da internet, presencio pessoas que querem me manipular, presencio elementos de violência. Eu aprendo a me suicidar, aprendo a atacar escolas, aprendo a como é me autolesionar”.
A jornalista Letícia Oliveira monitora grupos de ódio e violência nas redes sociais há dez anos.
“Cada vez mais, elas vão vendo conteúdo mais extremo e isso acaba levando elas a cometerem atrocidades, porque elas estão tão dessensibilizadas, estão tão acostumadas com a violência. É urgente que a gente entenda o que está acontecendo para tentar mudar isso”.
Fonte: g1.globo.co
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