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‘Revoltados com os aluguéis’: brasileiros moram em acampamento em Portugal

Da “casa” das brasileiras Andreia Machado da Costa, 49, e Márcia Alvaro, 43, dá pra ver o mar. Elas moram a alguns metros da praia de Carcavelos, uma das mais famosas de Cascais, zona metropolitana de Lisboa, em Portugal. O principal vizinho delas é o colégio St Julian’s, um dos mais caros da região. O quintal das amigas inclui pelo menos 80 hectares de muito verde. Seria o endereço dos sonhos de qualquer imigrante brasileiro se elas não dividissem uma barraca de camping.

As duas prestadoras de serviços, que trabalham com limpeza e fazem marmitas, decidiram abrir mão do aluguel, que consumia mais de 50% dos rendimentos, e estão, há dois meses, acampando na Quinta dos Ingleses. Ali, mais 20 pessoas, incluindo casais e idosos, moram em barracas.

A maior parte dos que acampam são brasileiros. “Foi uma decisão estratégica, porque não queria continuar pagando 600 euros (por volta de R$ 3,1 mil) em um quarto para morar”, conta Andreia ao UOL.

Lisboa é, atualmente, a cidade europeia mais cara para se alugar uma casa. As informações são do levantamento da consultoria internacional Housing Anywhere, que analisou 64 mil imóveis em 23 cidades europeias. Segundo o índice, o aluguel de um apartamento de um quarto custa, em média, 2.500 euros (R$ 13 mil) na capital portuguesa.

São 200 euros (mais de R$ 1 mil) mais caros do que em Amsterdã, na Holanda, que antes liderava a lista. Para comparação, o salário mínimo português é de 740 euros (R$ 3,9 mil).

A situação tem levado pessoas a dividirem apartamentos com diversos moradores ou, em casos mais extremos, a buscarem abrigo em casas de acolhimento ou na rua. Pessoas em situação.

As amigas se conheceram por acaso, em um passeio pelo Cais do Sodré. “Vim para Portugal há 6 meses, com dinheiro para viver, mas não sabia que teria de pagar uma assessoria para conseguir minha documentação”, diz Marcia.

O gasto imprevisto refletiu na sua capacidade financeira para pagar o aluguel de 250 euros (R$ 1,3 mil) pelo quarto que dividia com mais três pessoas em Arroios, em Lisboa. “A Andreia disse que a gente daria um jeito”, diz a prestadora de serviços. Ela conseguiu fazer um acordo com a senhoria (proprietária) para ajudar na limpeza do prédio onde estava e garantir um teto.

Andreia, por outro lado, morava em uma edícula com pouca privacidade: apesar de pagar 600 euros em um quarto privado com banheiro em Carcavelos, em Cascais, a senhoria tinha acesso ao espaço a qualquer momento, segundo conta. A situação não lhe agradava e, infeliz com o valor, decidiu acampar na Quinta dos Ingleses. Então, chamou a amiga Marcia para dividir a barraca.

“Fico revoltada com a alta dos aluguéis em Portugal. Quando cheguei, há um ano e meio, pagava 200 euros em um quarto compartilhado. Dali três meses, a senhoria aumentou para 300 euros”, diz Andreia. O valor foi subindo gradativamente até tomar boa parte de seus rendimentos.

Há muitos prédios desocupados por Lisboa, que estão se deteriorando, e apartamentos de quatro, cinco quartos são lançados, mas não são para pessoas como nós. Andreia Machado.

Marceneira de formação, Andreia está juntando dinheiro para comprar uma caravana e investir no próprio negócio. Aspirante a estudante de gastronomia, Marcia, por sua vez, economiza para tentar, enfim, alugar um apartamento de um quarto. A prática atual do mercado imobiliário português é pagar três aluguéis adiantados, além de dois a três cauções.

Se Andreia e Marcia tomaram uma decisão estratégica, há moradores do acampamento que estão ali por falta de saída. É o caso da brasileira Danielle Araújo, 40, que mora em Portugal há 22 anos, e o marido português João Mendes, 33. Ambos trabalham em restaurantes e estão morando na Quinta dos Ingleses há dois meses, mas o maior drama da vida.

“Morávamos com nossos dois meninos em um quarto. Fui à Santa Casa pedir alguma ajuda e, no dia seguinte, eles foram em nossa casa buscar os nossos filhos”. As crianças de 5 e 10 anos estão em um lar de acolhimento há quatro meses. Danielle e João as veem uma vez por semana, em salas separadas, durante meia hora cada um.

“É um pesadelo. Não temos casa e não temos nossos filhos”, diz João. Atualmente, o casal procura ajuda gratuita de um advogado para resolver a situação. Eles esperam que a vida no acampamento e longe das crianças seja apenas temporária.

Se for preciso, volto para o meu país, mas tem de ser com os meus meninos.
Danielle Araújo.

Segundo Andreia, nem o proprietário da Quinta dos Ingleses nem o colégio vizinho se incomodam com o acampamento. Eles limpam o terreno e cuidam do lugar. Além de brasileiros, o local também já foi morada de ucranianos, bolivianos e ingleses.

Desde que a história do acampamento foi noticiada na mídia portuguesa, há pessoas interessadas em morar no local. “Não incentivo ninguém a vir para cá, a vida aqui está longe de ser um luxo”, diz ela, que pretende sair de lá em dezembro, antes de o inverno chegar.

A Quinta dos Ingleses é, ainda, alvo de uma disputa entre movimentos ambientalistas e empreiteiras. Uma empresa pretende construir no local um grande empreendimento imobiliário, com seis prédios, shopping center e dois hotéis de luxo. Nada que caiba no bolso de Andreia, Marcia, Danielle e João.

“Vamos fazer uma manifestação no dia 5 de outubro para transformar a Quinta dos Ingleses em um parque natural urbano e garantir também que as pessoas que estão acampadas não sejam retiradas do local”, diz Jaca Sousa, 21, membro do movimento SOS Quinta dos Ingleses.

Tanto o grupo como alguns moradores estarão presentes na manifestação pelo direito à habitação. “Esta situação não é algo exclusivo da Quinta dos Ingleses. A região da estação Oriente, em Lisboa, é mesmo distópica, com pessoas a dormir nas marquises”, pontua Jaca.

Em nota, a Câmara de Cascais informou que, por meio da Paróquia de Carcavelos, “já disponibilizou a todos alojamento no Centro de Recursos e Acolhimento para sem Abrigo, localizado na R. Luís de Camões, Alcabideche”.

Fonte: www.noticias.uol.com.br



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