Enquanto a secretaria de Políticas para a Mulher caminha para o seu quarto mês de existência sem nenhum real em caixa, os casos de feminicídios e estupros no estado de São Paulo atingiram patamar recorde no primeiro trimestre do ano, sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas.
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Nos cem primeiros dias de gestão, Tarcísio se vangloriou da criação da pasta, que até o dia 27 do mês passado nem CNPJ tinha — agora, segundo apurou O GLOBO, se utiliza do documento de uma secretaria que foi extinta pela atual administração. Até agora, porém, a pasta não dispõe de um site próprio.
De mãos atadas, a secretária Sonaira Fernandes (Republicanos) não conseguiu lançar nenhum programa de combate à violência contra a mulher até agora. A falta de orçamento, no entanto, não impediu o governador de cobrar a secretária pela “inação” nos quatro primeiros meses de governo.
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A precariedade chegou ao ponto de Sonaira ter que usar um carro emprestado para cumprir agendas oficiais no início do mandato. No dia das mulheres, data mais importante da secretaria, a vereadora licenciada do Republicanos improvisou um evento no Memorial da América Latina, sede da pasta, e participou de ações de outras secretarias voltadas para o público feminino.
Números alarmantes
A falta de estrutura da secretaria da Mulher coincide com uma escalada de violência no estado: nos três primeiros meses deste ano, foram registrados 3.551 casos de estupro, o maior número para o período desde 1996. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), houve um aumento de 15,8% em comparação ao primeiro trimestre de 2022.
O crime de estupro de vulnerável — contra menores de 14 anos ou pessoas que não possuem discernimento para a prática do ato — também registra tendência de alta no estado: os casos passaram de 2.352 no ano passado para 2.669 este ano, crescimento de 13,5%.
O assassinato de mulheres em função do gênero teve uma alta de 24% no período analisado. No primeiro trimestre de 2022, foram 50 feminicídios no estado. Este ano, 62. Veja os números:
Casos de estupro em SP no 1º trimestre:
- 2018 – 3218
- 2019 – 3.044
- 2020 – 2.904
- 2021 – 3.113
- 2022 – 3.066
- 2023 – 3.551
Casos de feminicídio em SP no 1º trimestre:
- 2018 – 21
- 2019 – 39
- 2020 – 50
- 2021 – 43
- 2022 – 50
- 2023 – 62
Delegacias 24h não funcionam
Além de não dar recursos à pasta que cuida da mulher, o governo de São Paulo não conseguiu colocar em prática a nova lei que determina o funcionamento de delegacias da mulher 24 horas por dia e todos os dias da semana, inclusive finais de semana e feriados.
Segundo delegadas ouvidas pelo GLOBO, não há estrutura e nem pessoal suficiente para cumprir o que manda a lei. Com isso, muitas delegacias têm mantido as portas fechadas mesmo com a nova legislação. As delegadas observam que, além de não ter levado em consideração o déficit já existente na polícia, a lei ignora fatores como demanda das vítimas e número de ocorrências em cada região.
Segundo Jacqueline Valadares, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), a lei não é de “aplicabilidade viável” da noite para o dia no estado paulista.
— Para que todas as 140 delegacias de atendimento à mulher do estado pudessem funcionar 24 horas por dia, seria imprescindível a realização de concurso público. Com o efetivo deficitário que já existe hoje, em torno de 38%, não há como essas delegacias funcionarem 24 horas. Isso sem contar que há necessidade de investimento estrutural, em material humano e em materiais físicos, como computadores, viaturas e armamento — explica a delegada, lembrando que 36% de todas as delegacias especializadas de atendimento à mulher do país estão no estado de São Paulo.
Segundo a presidente do Sindpesp, a lei coloca que o atendimento nas delegacias deve ser feito em sala reservada e, preferencialmente, por policiais do sexo feminino.
— Hoje, cerca de 20% do efetivo da Polícia Civil do Estado de São Paulo é composto por delegadas. Haveria uma dificuldade prática de ter delegadas suficientes para completar todo o quadro, uma vez que, na prática, quase todas as 498 delegadas do estado teriam de ser designadas para trabalhar nas unidades especializadas — afirma Jacqueline.
Em nota, a assessoria de imprensa da secretaria da Mulher disse que todo o orçamento necessário para as ações e programas está garantido pela gestão. “A SPMulher conta com recursos das Secretarias da Saúde e Segurança Pública e servidores cedidos por outras pastas”, diz o texto.
A SSP-SP disse que a nova lei não é clara ao estabelecer as formas de atendimento ao público. “Para o atendimento presencial, considerando o regime especial de trabalho policial, será necessário um prazo para que os estados possam adequar as estruturas físicas e o quadro profissional para a prestação de serviço à população de acordo com a legislação vigente”, disse a pasta, que ainda acrescenta. “No caso de São Paulo, seria necessária a contratação de 2,8 mil novos policiais, sendo 700 delegadas, 700 escrivãs e 1,4 mil investigadoras.”