Em meio ao cenário de destruição e de desespero por parte da população que perdeu tudo o que tinha, o Rio Grande do Sul começa a sentir os impactos de um problema que se tornou latente em meio a tragédia: saques, furtos, roubos e outros crimes.
O estado vinha registrando queda em indicadores de criminalidade. Sobretudo em casos que envolvem patrimônio e em homicídios, que, segundo a Secretaria de Segurança Pública, caíram 25,2% em julho do último ano, se comparado com o mesmo período anterior. Foi o melhor resultado para um mês desde o início da série histórica, em 2010.
Manter esse patamar é o principal desafio das forças de segurança gaúchas no pós-enchentes. O último boletim divulgado pelo governo do estado mostra que 135 pessoas já foram presas por crimes relacionados ao desastre. A preocupação de autoridades e especialista é a de que esse número aumente significantemente nos próximos meses.
Existe razão para esse medo. O exemplo é o que ocorreu em Nova Orleans, nos Estados Unidos, depois da passagem do furacão Katrina. Na época, o fenômeno natural deixou a cidade praticamente destruída, assim como ocorre em municípios do Rio Grande do Sul.
O professor Cristiano Oliveira, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), conta que durante o furacão Katrina, a segurança pública emergiu como um dos problemas mais graves enfrentados pelas autoridades. “As falhas na comunicação e coordenação entre agências resultaram em uma resposta lenta e muitas vezes desorganizada, que não conseguiu prevenir ou conter eficazmente os saques e a violência”, explica.
“A incapacidade de manter a lei e a ordem foi exacerbada pela falta de preparação adequada para um desastre de tal magnitude, onde muitos agentes de segurança foram, eles próprios, vítimas do furacão e, portanto, incapazes de atuar”, completa o professor.
No Rio Grande do Sul não é diferente. Agentes de segurança também são vítimas das enchentes e neste momento estão dedicando esforços no salvamento de pessoas. Num estágio seguinte terão que conviver com o estresse da reconstrução e do papel de manter a ordem. “Nessa hora será pesado”.
É onde o estado poderá perder espaço para crime, segundo Oliveira. “Uma região desassistida se torna vulnerável para que traficantes, milicianos e facções se apoderem do espaço e comecem a suprir as necessidades da população”, acrescenta.
Esse fenômeno foi sentido em Nova Orleans, sobretudo em relação ao avanço das gangues. Uma pesquisa divulgada no Manhattan Institute mostra que, em 2004, um ano antes do Katrina, Nova Orleans sofreu 265 homicídios, resultando numa taxa de 56 assassinatos por 100 mil residentes.
Em 2006, um ano após o furacão, mesmo com a cidade menor — devastada pelas cheias — registou 162 assassinatos, representando a taxa de pelo menos 77 homicídios por 100 mil habitantes. É preciso levar em consideração que a população, que era de 470 mil habitantes antes do furacão, caiu para metade após o desastre.
O fluxo migratório é uma questão que acende o alerta. Embora as características sejam diferentes, uma vez que no Rio Grande do Sul os estragos atingiram praticamente todo o estado.
Apesar disso, o tema exige reflexão. Nos Estados Unidos, o pós-Katrina resultou numa explosão de crimes em áreas adjacentes que receberam novos moradores.
Uma pesquisa da Universidade de Memphis, revela que nestes casos houve um aumento de mais de 13% nos homicídios, quase 3% a mais nos roubos e a um aumento de 4,1% no roubo de veículos.
“É crucial que o governo federal amplie o engajamento das forças nacionais de segurança como um elemento fundamental na estratégia de resposta aos desastres naturais. Essa medida não só resolveria problemas de segurança e logística no curto prazo, mas também fortaleceria a capacidade do Estado de proteger e atender a população em situações de fragilidade e grave emergência”, finalizou o professor Cristiano Oliveira.
Segundo relatório do governo americano sobre o furacão Katrina, o incidente também prejudicou o sistema de justiça da região.
“Problemas como a perda significativa de responsabilização de muitas pessoas sob a supervisão da polícia, fechamento dos sistemas judiciais durante o desastre, e a evacuação precipitada de prisioneiros foram, na maioria, atribuídos à ausência de planos de contingência em todos os níveis de governo”, afirmou o governo de George W. Bush.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br
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