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Virus “zumbi” pode “despertar” devido a mudanças climáticas

De acordo com o virologista francês Jean-Michel Claverie, com o derretimento do “permafrost” pode haver o ressurgimento de vírus e bactérias perigosas para humanos.

As mudanças climáticas, que há tempos têm impactado nosso estilo de vida, revelam agora riscos e ameaças maiores. O planeta Terra já se encontra 1,2º C mais quente do que no período pré-industrial, e o derretimento do “permafrost”, terreno congelado por pelo menos dois anos, traz à tona preocupações sobre o ressurgimento de vírus e bactérias perigosas.

Pesquisadores alertam que o Ártico poderá perder completamente o gelo no verão, bem antes do previsto, entre 2030 e 2050. Uma das maiores preocupações está na liberação de gases de efeito estufa, como o metano, à medida que o permafrost siberiano derrete. Porém, um aspecto menos explorado é a existência dos “Virus zumbis”, conhecidos como aqueles que permaneceram adormecidos por milênios.

O virologista francês Jean-Michel Claverie, aos 73 anos, dedicou mais de uma década de sua vida ao estudo desses vírus, alguns deles com quase 50 mil anos, encontrados nas camadas profundas do permafrost siberiano. Em 2022, Claverie e sua equipe realizaram uma série de estudos. Surpreendentemente, esses vírus antigos, apesar de sua idade, ainda eram capazes de infectar.

Claverie fez uma grande descoberta em 2014, demonstrando que vírus “vivos” podiam ser extraídos do permafrost siberiano e revividos com sucesso, com foco naqueles que afetam amebas para evitar a contaminação humana. Essas pesquisas destacaram que a ameaça à saúde pública representada por esses vírus antigos havia sido subestimada. Em 2019, a equipe isolou 13 novos vírus, incluindo um que permaneceu congelado sob um lago por mais de 48.500 anos, enfatizando a onipresença desses vírus.

Os resultados dessas investigações, publicados no ano passado, ressaltaram que o ressurgimento de infecções virais causadas por patógenos antigos e desconhecidos poderia ter efeitos devastadores em humanos, animais e plantas. Um exemplo disso ocorreu em 2016, na Sibéria, quando uma onda de calor ativou esporos de antraz, causando infecções e a morte de uma criança, além de afetar milhares de renas.

Claverie enfatiza a importância de entender esses vírus antigos, já que eles representam uma ameaça significativa à humanidade, especialmente considerando que os neandertais podem ter sido vítimas de doenças virais desconhecidas no passado.

MONITORAMENTO GLOBAL

Ao longo dos anos, agências de saúde e governos têm monitorado possíveis doenças infecciosas desconhecidas que os humanos não têm imunidade nem tratamento adequado. Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adicionou uma “Doença X” genérica a uma lista restrita de patógenos de alta prioridade para pesquisa e desenvolvimento de planos de ação de prevenção ou contenção em caso de pandemia. Após a pandemia da Covid-19, esses esforços se intensificaram.

Margaret Harris, porta-voz da OMS, explica que a organização está trabalhando com mais de 300 cientistas para analisar evidências de todas as famílias de vírus e bactérias que podem causar epidemias e pandemias, incluindo aqueles que podem ser liberados com o descongelamento do permafrost.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Por séculos, as camadas profundas do permafrost permaneceram estáveis, permitindo o desenvolvimento de cidades na região. No entanto, as mudanças climáticas estão transformando esse cenário, com crateras surgindo e cidades afundando.

A questão geopolítica também tem atrasado as pesquisas. Organizar expedições para a Sibéria e colaborar com laboratórios russos já era desafiador, e a situação piorou com o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que praticamente cessou as comunicações com colegas russos.

As consequências do aquecimento global na Sibéria representam tanto ameaças quanto oportunidades para a economia russa. Cerca de US$ 250 bilhões em infraestrutura estão em risco devido ao degelo do permafrost, e esse fenômeno já contribuiu para desastres ambientais, como o derramamento de petróleo de Norilsk em 2020, à medida que o solo se torna instável.

No entanto, a região possui recursos naturais valiosos, como carvão, gás natural, ouro, diamantes e minério de ferro, tornando-a alvo de exploração, inclusive por meio de tecnologias como a usina nuclear flutuante russa Akademik Lomonosov, que abre áreas previamente inacessíveis ao longo da costa da Sibéria para a mineração.

Tudo isso levanta a questão de como equilibrar a pesquisa, que visa identificar ameaças à humanidade, com a necessidade de evitar inadvertidamente propagar perigos. Alguns pesquisadores defendem abordagens mais cautelosas e menos orientadas pelos recursos.

Claverie sugere que um sistema especializado para monitorar a saúde da população inuíte seria útil para identificar doenças emergentes mais rapidamente, caso provenham do permafrost.

Outras organizações também estão conscientes desse risco. Recentemente, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional abandonou um projeto de US$ 125 milhões que visava buscar vírus em regiões do sudeste asiático, África e América Latina que poderiam potencialmente infectar seres humanos, devido a preocupações de que a pesquisa em si possa desencadear uma pandemia.

Enquanto isso, Claverie afirma que não planeja retornar à Sibéria, independentemente do desfecho da guerra. Ele enfatiza que o perigo existe e que prosseguir em expedições para desvendar segredos nas profundezas congeladas seria insensato.

“À medida que envelhecemos, desenvolvemos uma perspectiva mais filosófica”, diz ele. “Pode ser melhor deixar essas coisas em paz.”

Fonte: dol.com.br



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